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Prêmio (de consolação?) MEC da educação brasileira: A escola e os docentes sob um ethos gerencialista de controle

Atualizado: 19 de set.

Por Fátima Machado*


No dia 23 de junho de 2025, oficializou-se, por meio do Decreto nº 12.521, o Prêmio MEC da Educação Brasileira, anunciado e divulgado pelo Ministério da Educação, representado pelo presidente Lula e pelo ministro Camilo Santana. Diante de uma espécie de sombra necrótica que paira sobre o trabalho de professores e professoras e sobre o papel social da escola, a resolução aparenta ser uma luz para tempos sombrios. Entretanto, ao ampliarmos o olhar para a totalidade que envolve as políticas educacionais no país, especialmente nas últimas três décadas, o prêmio deixa de parecer um galardão desejável.


As políticas de educação no Brasil vêm sendo atravessadas por interesses do capital e pela sanha de mercantilização da educação em todos os seus setores. Seguindo as agendas neoliberais, produzem legislações e documentos norteadores que ignoram — ou falham em materializar — políticas que subsidiem a valorização dos(as) profissionais da educação e que pavimentem caminhos crítico-emancipatórios para a díade trabalho-formação.


O conceito de gerencialismo se materializa na educação brasileira, por exemplo, com a instituição, em 1990, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em todas as suas versões (2015, 2016, 2017) e com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Mais recentemente, o Decreto nº 12.521 e o anúncio oficial do Prêmio MEC da Educação Brasileira revelam igualmente um conceito gerencialista em sua essência: reduzem a atividade docente e a educação a indicadores de desempenho e, por sua vez, negociam “o desempenho” como moeda de troca para benefícios, premiações e compensações financeiras. Ao premiar apenas as escolas que atingirem os resultados esperados, a medida pode invisibilizar contextos socioeconômicos vulnerabilizados que atravessam o desempenho de muitas outras unidades.


Os anúncios sobre o prêmio, veiculados oficialmente, carregam generalizações e eufemismos para a política de responsabilização proposta. É o que se vê, por exemplo, na fala do ministro da Educação, Camilo Santana, divulgada no site oficial do governo federal: “Nós vamos reconhecer os esforços das redes de ensino em atingir as metas (...), para estimular, incentivar, o trabalho de diferentes atores na melhoria da educação básica” (Brasil, 2025, n.p.). Ainda, a reportagem complementa que “os contemplados receberão um troféu de reconhecimento e um valor monetário” (Brasil, 2025, n.p.), o que parece representar a culminância de um projeto meritocrático que lança sobre professores, professoras, profissionais da educação e estudantes uma espécie de prêmio de consolação pela precarização e desumanização que os assolam.


Vale atentar que a retórica de um decreto que institui uma premiação não esconde as tendências da proposta, que tende a: (1) invisibilizar e marginalizar escolas que não atingem os objetivos, justamente por questões de maior vulnerabilidade, falta de recursos ou histórico de omissão do Estado; (2) transformar as escolas em um campo de competição, em que o trabalho docente é cooptado por uma lógica gerencialista e meritocrática que privilegia resultados mensuráveis em detrimento de uma concepção de educação emancipadora, crítica e entendida como direito social; (3) aumentar a pressão por resultados, intensificar a precarização do trabalho e gerar mais afastamentos e adoecimentos de professores, professoras e gestores acadêmicos a serviço da educação pública no Brasil; (4) contribuir para o esfacelamento do aspecto intelectual da atuação docente, que, ao serem pressionados a priorizar indicadores meramente quantitativos, acabam tendo pouco ou nenhum espaço para processos formativos que valorizem a diversidade e articulações emancipatórias, críticas, políticas e sociais.


A educação brasileira carece de políticas amplas e com determinações mais claras, que contemplem e se comprometam com a valorização da docência e a formação integral e omnilateral dos sujeitos. Isso inclui, por exemplo, o fomento à formação inicial e continuada de futuros docentes, a garantia de ingresso por concurso público, o estabelecimento de um piso nacional adequado e de planos de carreira para o professorado, além de um financiamento público robusto e estável para as escolas públicas. Por ora, cabe-nos a luta e a resistência para não permitir que os tentáculos do ideário neoliberal destituam a educação do lugar que lhe é imprescindível: o de direito e bem comum a todos e todas.


*Fátima Machado é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UERJ e Mestre em Linguística pela mesma instituição. Pesquisa os usos das tecnologias na educação, políticas educacionais e curriculares e a díade trabalho-formação docente.


Leia também:


Financiamento atrelado a desempenho é armadilha para o aprofundamento das desigualdades, Por Ricardo Normanha: https://www.cliooperaria.com/post/financiamento-atrelado-a-desempenho-%C3%A9-armadilha-para-o-aprofundamento-das-desigualdades


Um desabafo: a crise e o professor, por Anderson Barbosa Lima: https://www.cliooperaria.com/post/um-desabafo-a-crise-e-o-professor


Referências:


BRASIL. Decreto nº 12.521, de 23 de junho de 2025. Institui o Prêmio MEC da Educação Brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 10, 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-12.521-de-23-de-junho-de-2025-637567992. Acesso em: 10 jul. 2025.


BRASIL. Ministério da Educação. Governo Federal cria Prêmio MEC da Educação Brasileira. Brasília, DF, 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2025/junho/governo-federal-cria-premio-mec-da-educacao-brasileira. Acesso em: 10 jul. 2025.

 
 
 

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