Um mundo sem nós? A sexta extinção e a liberdade
- Professor Poiato
- 10 de abr.
- 4 min de leitura

Imagine um planeta onde o último vestígio da humanidade seja uma garrafa plástica flutuando no oceano, envolta pelo silêncio de uma biosfera esvaziada. O que restaria de nossas filosofias, nossas revoluções e nossa liberdade se o Homo sapiens desaparecesse?
O reino das coisas
Partiremos de uma constatação arqueológica: estamos vivendo a Sexta Extinção em Massa, um evento tão devastador quanto os que exterminaram os dinossauros.
Diferentemente das catástrofes pré-históricas, porém, esta tem origem na ação humana. É resultado direto da expansão da Psicotecnosfera, ou seja das nossas coisas - desde infraestruturas até padrões de pensamento, de facas a fórmulas de bhaskara, do liberalismo a britadeira. Quanto mais "espessa" essa camada (em cidades, estradas, monoculturas, etc), mais fina se torna a biodiversidade.
Espécies já desaparecem 1.000 vezes mais rápido que o ritmo natural, e projeções indicam que até 2050, 24% das formas de vida podem ser extintas. A cultura material, nossa grande conquista, revela-se uma armadilha: Ao dominar a natureza, criamos um mundo inóspito até para nós mesmos.
Dois cenários de extinção humana emergem: o colapso ambiental (escassez de recursos, colapso dos ecossistemas) e a guerra nuclear (com seu "inverno" pós-apocalíptico). A questão que fica é: estamos condenados pela lógica autodestrutiva de nosso próprio progresso?
A liberdade de perecer
Filosoficamente, o ser humano é "condenado a ser livre" — ou seja, mesmo diante de determinações históricas mais causticantes, a subjetividade resiste. na natureza mais cruel, criamos a linguagem, das ditaduras mais sanguinárias, prevaleceu a música, nas guerras mais cruéis, cartas de amor foram lançadas dos campos de batalha para cidades natais distantes. Mas ainda assim, existia a escassez natural, as ditaduras e as guerras.A liberdade humana, nessa perspectiva, não é absoluta, mas emerge justamente dentro dos limites impostos pelo mundo — seja pelas condições materiais, históricas e/ou ecológicas. No entanto, esses limites só ganham sentido quando interpretados e transformados pela ação humana. Isso significa que, mesmo em contextos de opressão ou crise (como o colapso ambiental), o indivíduo não é mero reflexo passivo das estruturas, mas um agente capaz de reinterpretar e desafiar essas condições. Assim, a liberdade não é uma ilusão, mas um desafio — exige reconhecer os limites do mundo para, então, transcendê-los através da ação coletiva e da reinvenção política. Ao passo que também que expressa em nossa prisão, na impossibilidade de agir, ser livre em se deixar morrer- e às vezes pedir por ela.
Em que pé estamos
A Humanidade construiu sistemas complexos — tecnológicos, econômicos e sociais — que, ironicamente, agora colocam em risco sua própria sobrevivência. Essas estruturas, inicialmente criadas para dominar a natureza e garantir progresso, transformaram-se em armadilhas: quanto mais avançamos em controle e eficiência, mais destruímos os alicerces que sustentam a vida.
O resultado é um paradoxo histórico: nossa capacidade de transformar o mundo nos levou a um ponto onde o próprio futuro da espécie está em jogo, aprisionados por forças que nós mesmos criamos. Essa contradição revela uma tensão fundamental entre determinação e possibilidade. Por um lado, as condições materiais do presente — desde as infraestruturas até os modelos de produção — parecem conduzir inexoravelmente ao colapso ecológico.
O cerne do debate está em como interpretamos e respondemos à crise planetária. De um lado, análises baseadas em padrões históricos e ecológicos sugerem que a humanidade está presa em uma espiral autodestrutiva, onde a inércia de nossos sistemas econômicos e políticos torna o colapso ambiental praticamente inevitável. Nessa visão, a agência humana aparece como irrelevante diante da magnitude das forças em jogo, reduzindo a liberdade a uma mera ilusão frente ao determinismo das estruturas que criamos.
Contrapondo-se a essa perspectiva fatalista, outra abordagem afirma que mesmo nas circunstâncias mais extremas permanece intacta a capacidade humana de escolha e ação. Se o atual caminho para a extinção em massa foi pavimentado por decisões históricas coletivas, então a reversão desse processo também dependeria de uma transformação radical em nossas práticas e valores. Essa visão provoca uma reflexão profunda: que futuro estamos ativamente construindo através de nossas ações cotidianas e das estruturas que continuamos a sustentar?
Por outro, a experiência humana nunca se reduz apenas a essas limitações; mesmo dentro de circunstâncias adversas, persiste a capacidade de questionar, resistir e reimaginar caminhos. A crise atual, portanto, não é apenas uma sentença, mas também um chamado para repensar radicalmente nossa relação com o mundo que construímos.
Um papel para interpretar
Essa tensão entre determinismo e liberdade revela o núcleo do desafio contemporâneo. Enquanto as evidências materiais apontam para tendências alarmantes e de longo prazo, a experiência humana demonstra que pontos de virada históricos muitas vezes surgem justamente quando as crises parecem mais insuperáveis.
O desafio, então, está em reconhecer o peso dessas estruturas sem cair no fatalismo. Se o passado nos mostra como as ações humanas desencadearam crises globais, o presente exige que a mesma capacidade de intervenção seja redirecionada — não mais para a exploração, mas para a regeneração. A liberdade, nesse sentido, não está em negar os limites, mas em agir dentro e contra eles, transformando a ameaça de extinção em possibilidade de reinvenção. O futuro ainda está em aberto, mas só se compreendermos que ele depende não do destino, mas das escolhas que fizermos agora.
Gostou do tema? veja o vídeo abaixo:
DOS SANTOS BELO, Renato. Notas sobre a relação entre marxismo e existencialismo em Sartre. Cadernos de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 13, p. 57-66, 2008.
MEGA, Orestes Jayme; MIYAKE, Edson. O FIM ESTÁ PRÓXIMO: ARQUEOLOGIA DA SEXTA GRANDE EXTINÇÃO-INVESTIGANDO AS POSSIBILIDADES DE EXTINÇÃO HUMANA. Tessituras: Revista de Antropologia e Arqueologia, v. 4, n. 1, p. 235-235, 2016.
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