Impossível ser feliz sozinho
- Rafael Maranhão Torres
- 17 de abr.
- 3 min de leitura
Por Rafael Torres*

Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, compôs Wave. Na canção ele afirma que é impossível ser feliz sozinho, em menção à vontade de viver seu amor individual, mas ouvindo a composição e pensando em coletividade, ela expõe também a necessidade de pensar o conjunto.
O maior desafio da esquerda frente à ofensiva neoliberal é apresentar possibilidades. A contemporaneidade carrega consigo o sentimento de fim da história, essa invencionice sobre não haver qualquer outra realidade, gestando a apatia que assola a classe a que Marx se refere como a verdadeiramente revolucionária. A reflexão que colocamos no horizonte é de pensar que tipo de futuro iremos construir para as gerações seguintes.
Domenico Losurdo em sua obra A questão comunista é insistente em reconduzir o marxismo para um rumo que recusa messianismos e a convicção de um futuro que seja desprendido da realidade atual. O Messias não salvará a humanidade do desenvolvimento capitalista e a feroz concentração de renda nas mãos de 1% da população mundial. Não há espontaneidade que faça surgir um governo verdadeiramente popular sem que haja uma construção organizada anteriormente e que deságue neste futuro; nesse ponto, Losurdo desprende seu marxismo de Walter Benjamin, separados também pelo espaço-tempo. Entretanto, os dois filósofos, enquanto marxistas, possuem convergências inegociáveis em suas visões. Para o alemão, contrariando Marx e Engels, a revolução não é a locomotiva da história, mas a humanidade acionando o freio de emergência; para o italiano não existe realidade pós-capitalista que consiga negar a dialética da ordem atual do modo de produção. Em Benjamin, o freio é acionado antes do ponto de máxima barbárie, onde ainda há como viver; em Losurdo, esse futuro não ignorará a dialética atual por uma negação abstrata. Marx estudou o capitalismo a fim de superá-lo, mas também notou seus avanços, não os negou.
José Paulo Netto enfatiza que a nossa tarefa não é criticar – afinal, seguimos, enquanto marxistas, a práxis filosófica – e sim apresentar possibilidades reais, tarefa essa que a esquerda deixou de cumprir após o fim da URSS, período em que o neoliberalismo ganha terreno. Isso significa recuperar os marcos democráticos que foram cerceados pelo neoliberalismo e as crises do capitalismo – o capitalismo responde crise com mais crise –, recobrando o significado de um sistema universal de saúde; de uma educação emancipatória; de direitos fundamentais e irremediáveis; da coletivização dos espaços e da sociabilidade. Para Atilio Borón, vale ressaltar, a valorização democrática não é um fim em si mesma, porque:
“não pode ignorar que em sua concretização histórica a democracia – tanto na periferia do capitalismo como em seu núcleo mais desenvolvido – sempre é encontrada entrelaçada com uma estrutura de dominação classista, que impõe rígidos limites a suas potencialidades representativas e, em maior medida ainda, às possibilidades de autogoverno da sociedade civil”
Portanto, se trata de valorizar a democracia tendo consciência dos seus limites enquanto sistema que possibilita a existência de classes. Não se trata de abraçar o mal menor, mas definir como inegociável toda e qualquer conquista atingida através dos marcos democráticos, novamente não sendo esse um fim em si, mas a certeza de novos avanços para uma sociedade em que não existam classes.
A sociedade comunista – ou socialista, pois os liberais têm grande dificuldade em perceber a separação de ambos os conceitos – não é uma utopia. A Revolução Francesa derrubou os limites feudais, que pressupunham a existência do Estado segundo uma ordem divina, um critério hierárquico e antidemocrático vindo direto do próprio Criador! Quem durante o século XIX iria conseguir imaginar a convivência em igualdade social entre negros e brancos? Era impensável existir uma realidade em que negros não fossem escravos, era dever do branco civilizar os povos que ainda não atingiram maior idade. Neste mesmo momento histórico, como uma mulher poderia ousar se separar do marido? Ter direito ao voto? Tudo isso foi esfacelado pela História.
Lembremos que é impossível ser feliz sozinho. A coletividade tem que superar a patranha do individualismo, tão caro ao neoliberalismo. Por fim, que fique claro:
“A liberdade não pode sobreviver onde o cidadão indigente está disposto a vendê-la por um ‘prato de lentilhas’, e outro disponha de riqueza suficiente para comprá-la ao seu bel-prazer”.
*Rafael é historiador, pós-graduando em Serviço Social, Ética e Direitos Humanos, editor-geral da Clio Operária, educador popular e pesquisador sobre Neoliberalismo.
Referências bibliográficas
GENTILI, P; SADER, E (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995.
LOSURDO, D. A questão comunista. São Paulo: Boitempo, 2022.
LÖWY, M. A revolução é o freio de emergência: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Autonomia Literária, 2019
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