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Fanon faz 100 voltas na terra, e eu resisto

Por Marcio Paulo


Antes de tudo, quero agradecer. Agradecer a quem lê, a quem acredita que a escrita ainda é o caminho para descobrir e compreender. Porque uma teoria só existe porque alguém ousou escrever. Ela só se sustenta se alguém tiver coragem de ler, interpretar e transformar. E só resiste ao tempo quando é passada adiante — como novo texto, nova leitura, novo arquétipo. É assim que ela sobrevive.

 

E é assim que Fanon resiste.

Fanon, o pensador. O político. O ativista. O sonhador. O provocador. O teórico. O homem de armas e de palavras. Ele não só pensou, ele lutou. E resistiu.

 

Fanon é mais que um nome citado nos círculos intelectuais; ele é sentimento, é carne, é urgência. Este texto que segue não é uma biografia tradicional — é um testemunho. É o relato de alguém que começou a ver o mundo de outra forma quando um livro, velho e sem capa, caiu em suas mãos. Os condenados da terra. Uma edição incompleta, com páginas faltando, interrompida na página 80. Mas foi o suficiente para virar minha cabeça:

“Ué... Eu sou um condenado da terra?”

 

Naquele instante, parecia que Fanon me abraçava e dizia:

“Pois é...”

 

Fanon pensava com a solidão de quem compreende que o pensar autêntico não nasce do barulho coletivo sem rumo, mas do silêncio interno que nos empurra à reflexão. Como diria Milton Santos, Fanon se acostumou a estar só. Porque pensar, de verdade, é um ato solitário - mas um que ressoa no coletivo.

 

Neste 2025, celebramos 100 anos do nascimento de Frantz Fanon. Cem anos também de outros gigantes da negritude: Malcolm X, Clóvis Moura, Patrice Lumumba. Homens que nasceram em 1925 e formaram as bases do pensamento anticolonial e da resistência negra. Eles viveram em um mundo diferente, mas que ainda se reflete no espelho atual — só que agora mais rápido, mais digital, mais urgente.

 

Sem Fanon, talvez não houvesse uma teoria da descolonização tão radical. Sem Fanon, talvez a Argélia não tivesse conquistado sua independência naquele momento. A ideia do negro resistindo, se entendendo, se curando e buscando sua libertação vem de Fanon — o psiquiatra que analisou a relação entre o negro e o branco, o colonizado e o colonizador, o martinicano e o francês.

 

Mas também vem do Fanon político, que escreveu teses, manifestos, artigos de jornal, textos que ensinam a resistir ao colonialismo — e a lembrar daqueles que resistiram e não viraram comida de tubarão.

 

Parafraseando Zudizilla:

“Eu sou o sonho mais louco do meu ancestral.”

Isso é Fanon — no mais profundo sentido de sua missão como pensador.

 

E parafraseando Mano Brown:

“Essa é pra você que não virou comida de tubarão.”

Isso é o Fanon que tirou o jaleco de psiquiatra e foi para o front, lutar pela liberdade do povo argelino.

 

Fanon batalhou em frentes bélicas e não bélicas. Ele é maior que seu próprio tempo. Talvez nem tenha imaginado que seu pensamento viveria por tanto tempo nos corpos e nas mentes de tantos de nós. Por muito tempo, ele foi desconhecido entre meus pares. Hoje não mais. Porque eu me tornei um divulgador do seu pensamento, da sua luta, da sua existência.

 

Frantz Fanon. Ou Frantz Omar Fanon. Ou François Fanon. Ou Ibrahim Fanon. Nascido em Fort-de-France, em 20 de julho de 1925. Ele é mais do que qualquer um de seus algozes ousou sonhar ser. Fanon é a melhor versão de um homem dentro do tempo.

 

Aquele que escreve, aplica e luta por um ideal. Não qualquer ideal, mas aquele que transforma dor em direção. A malandragem que não escorrega. A consciência que, mesmo ferida, escolhe continuar — e não permitir que ninguém mais sofra sem saber por quê.

 

O penar de Fanon não será esquecido. Este ano celebramos os 100 anos de sua chegada à Terra. E daqui a 100 anos, alguém ainda escreverá sobre como Fanon impacta, transforma e resiste. Que esse futuro seja mais justo, mais igualitário, menos preso aos problemas criados por homens pequenos demais para se honrar uma história.

 

Por Fanon e pelo Fanon, resisto com corpo e mente.

Por Fanon, sigo.

Porque sem ele, sou apenas um neguinho pequenininho.

Com Fanon, sou um negrão que atravessa a porta e não teme.

 

Fanon completa 100 voltas ao redor da Terra.

E eu continuo aqui.

Resistindo.

 
 
 

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