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Você acredita mesmo em aquecimento global?

Foto do escritor: Professor PoiatoProfessor Poiato

Por William Poiato



Em um animado jantar em família, entre uma e outra comilança, seu tio, sempre ele, urge uma pergunta aparentemente simples, mas feita para espezinhar: “Você acredita mesmo em aquecimento global?


Essa questão, por vezes usada como uma provocação, revela muito mais do que mero ceticismo. Ela expõe o confronto entre dois mundos distintos: o da ciência, com seus dados robustos e métodos rigorosos, e o da ideologia, que molda nossas crenças e percepções de acordo com interesses específicos


Falsa Consciência e Ideologia


A falsa consciência, um conceito central no pensamento marxista, vai além de um simples equívoco individual. Trata-se de uma percepção distorcida da realidade social, fruto das contradições presentes nas relações de produção capitalistas. Nesse contexto, as desigualdades estruturais são obscurecidas pela lógica mercantil que domina as interações sociais.


Marx descreveu como essas dinâmicas se expressam no fetichismo da mercadoria, em que as relações sociais entre trabalhadores são mascaradas por relações entre objetos. Assim, o valor social do trabalho parece ser uma propriedade natural dos produtos, ocultando as condições humanas e sociais que os originam. Imagine um celular: você o vê como um objeto incrível, cheio de tecnologia, mas raramente pensa nas pessoas que trabalharam para produzi-lo. O que Marx chama de "fetichismo da mercadoria" é justamente isso: parece que o valor do celular vem dele mesmo, quando na verdade ele reflete o trabalho de milhares de pessoas, desde quem extraiu os materiais até quem montou o aparelho. Esse "esquecimento" oculta as relações sociais e as condições de trabalho por trás do produto.


Esse processo não só aliena o trabalhador, separando-o do fruto de seu trabalho, mas também fortalece a falsa consciência, impedindo a classe trabalhadora de reconhecer as estruturas que sustentam sua própria exploração. 


É como se o valor estivesse magicamente contido no objeto, e não no trabalho humano que o produziu. Essa inversão da realidade tem implicações profundas na forma como entendemos o mundo e as relações de poder que o estruturam. Além disso, assim como a falsa consciência serve para perpetuar as relações de classe, a instrumentalização da ciência no século XX, especialmente nas ciências climáticas, revela como o conhecimento pode ser cooptado para fins políticos. Durante a Guerra Fria, por exemplo, os avanços científicos sobre o clima frequentemente atendiam a demandas militares, negligenciando as preocupações ecológicas. 


A ciência, que deveria ser uma bússola, foi utilizada como ferramenta para outros fins, demonstrando a complexa interação entre conhecimento, poder e ideologia.


O Clima como Palco de Controvérsias Fabricadas


A ciência climática é um exemplo marcante de como as ideologias influenciam nossas percepções. Desde os pioneiros estudos sobre o efeito estufa, com Fourier, Tyndall e Arrhenius, até os avanços tecnológicos do século XX, a climatologia enfrentou resistências não apenas no campo científico, mas também no âmbito político


O termo “agnotologia”, cunhado por Robert Proctor, descreve a fabricação deliberada da ignorância. No contexto do aquecimento global, as indústrias de combustíveis fósseis investiram somas colossais para semear dúvidas sobre a influência humana no clima. 


Estratégias como o falso debate entre resfriamento e aquecimento global foram empregadas para confundir a opinião pública e atrasar a implementação de regulamentações ambientais. 


Criou-se uma cortina de fumaça para obscurecer a verdade, dificultando o entendimento da complexa relação entre as atividades humanas e as mudanças climáticas. Da mesma forma que a falsa consciência mascara a exploração no capitalismo, a promoção de falsas controvérsias climáticas enfraquece a ação política necessária para enfrentar a crise ambiental.


Embora haja um consenso científico robusto de que 97% dos estudos confirmam a origem antropogênica do aquecimento global, a “indústria da dúvida” persiste em desviar a atenção para explicações naturais, ignorando a velocidade sem precedentes das mudanças climáticas. A dúvida, assim, se torna uma arma para a inação, permitindo a continuidade de práticas danosas ao meio ambiente.


O Despertar da Consciência 


Se a falsa consciência perpetua a alienação e a passividade, a consciência crítica surge como um caminho para desvendar as estruturas opressoras. No contexto ambiental, essa consciência é fundamental para superar as armadilhas ideológicas que impedem ações efetivas. 


Pensadores como István Mészáros distinguem a ideologia negativa, que mantém o status quo, da ideologia positiva, que promove a emancipação. No entanto, é crucial não confundir consciência revolucionária com ideologia. A primeira é um movimento dinâmico de transformação, enquanto a segunda pode se cristalizar em uma estrutura rígida. 


A consciência crítica é um processo vivo, em constante evolução, que busca compreender as contradições da realidade e propor alternativas para superá-las. O aquecimento global, frequentemente tratado como um problema puramente técnico, é também uma questão de justiça social. As comunidades marginalizadas são as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, enquanto as elites globais acumulam lucros com atividades poluentes. Combater essa desigualdade exige não apenas avanços tecnológicos, mas também uma mobilização política enraizada na consciência revolucionária, que reconhece a interconexão entre as questões ambientais e as lutas por justiça social. A crise climática, portanto, escancara as desigualdades sociais, demandando uma ação conjunta e transformadora.


Uma Dialética entre Ciência e Sociedade


A falsa consciência e as mudanças climáticas são faces da mesma moeda: ambas revelam como os sistemas de poder moldam nossas percepções e retardam as transformações necessárias. 


Para enfrentar os desafios do século XXI, precisamos desmascarar as contradições da sociedade capitalista e mobilizar consciências para ações coletivas. A ciência climática, apesar de seu passado geopolítico conturbado, oferece ferramentas essenciais para compreendermos e mitigarmos o aquecimento global. No entanto, sua eficácia depende da superação das barreiras ideológicas que minam sua credibilidade. 


Assim como Galileu e Darwin enfrentaram resistência em suas épocas, os defensores do consenso climático precisam confrontar um sistema que lucra com a dúvida e a inércia. A pergunta provocativa sobre “acreditar” ou não no aquecimento global, longe de ser inocente, nos desafia a refletir: estamos dispostos a abandonar ilusões confortáveis para encarar a realidade de frente? E, estamos dispostos a educar aqueles que não nos acompanham? A resposta a essa pergunta determinará o nosso futuro coletivo.


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Referências bibliográficas: 


BALDI, Luiz Agostinho de Paula. A categoria ideologia em Marx ea questão da falsa consciência. Revista Katálysis, v. 22, n. 03, p. 631-640, 2019.


JUNGES, Alexandre Luis; MASSONI, Neusa Teresinha. O consenso científico sobre aquecimento global antropogênico: considerações históricas e epistemológicas e reflexões para o ensino dessa temática. Revista brasileira de pesquisa em educação em ciências. Porto Alegre. Vol. 18, n. 2 (Ago. 2018), p. 455–491, 2018.


LEITE, José Correa. Controvérsias na climatologia: o IPCC eo aquecimento global antropogênico. Scientiae Studia, v. 13, n. 3, p. 643-677, 2015.



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