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“Quando o Estado serve ao lucro, a natureza vira mercadoria. Quando a natureza vira mercadoria, o futuro se dissolve.”

Foto: Mídia Ninja
Foto: Mídia Ninja

Senhoras e senhores, companheiras e companheiros,


Falamos aqui não como especialistas isolados, mas como parte de um povo que insiste em existir. Um povo que caminha com os pés descalços nas veredas de um país em chamas. Um povo que viu barragens romperem, florestas virarem cinza e rios se tornarem veneno. É em nome dessas memórias que denunciamos o avanço do Projeto de Lei 2.159/2021 — o PL da Devastação.


Este projeto — vendido como modernização do licenciamento ambiental — é, na verdade, a institucionalização do descontrole, da impunidade e da lógica do lucro acima da vida. Ele permite que empresas se autolicenciem, retira a exigência de estudos de impacto para diversas atividades, dispensa licenciamento para o agronegócio e a mineração, reduz a exigência de audiências públicas e ainda isenta empreendimentos de alto risco de medidas preventivas.


A máscara do Estado: desenvolvimento ou dominação?


O Estado moderno continua “um comitê que administra os interesses da burguesia”. O PL 2159 é uma prova concreta disso. Ele não é uma falha do sistema; ele é o sistema funcionando perfeitamente para quem manda nele.


Quando o Estado simplifica a destruição e burocratiza a resistência, ele revela sua função de classe. O licenciamento “simplificado” não é neutro. É uma política ativa de transferência de poder para quem já concentra terra, capital e influência. Enquanto um Yanomami coleta plantas medicinais em um rio contaminado, burocratas apertam tablets que autorizam o avanço de escavadeiras sobre seu território. É o capitalismo em ato: com linguagem técnica, oculta o sangue e o fogo que o sustentam.


Não se trata de eficiência, trata-se de projeto


Defensores do PL dizem buscar celeridade, segurança jurídica e atratividade econômica. Mas omitem que estão revogando a própria ideia de proteção ambiental como bem público. O texto permite renovações automáticas de licença mesmo que as condicionantes ambientais não tenham sido cumpridas. Legaliza o que antes era crime ambiental.


Ele avança a lógica da autodeclaração corporativa, afasta o controle social, ignora as comunidades tradicionais não regularizadas, enfraquece o controle sobre desmatamento e desobriga bancos de responder pelos crimes ambientais que financiam.


Estado, capital e a natureza como campo de guerra


Não há Estado neutro. O PL 2159 serve ao lucro e retira as últimas barreiras que ainda dificultavam a total mercantilização da natureza. A linguagem do projeto repete termos como “desenvolvimento sustentável”, mas o que propõe é um retrocesso às normas da década de 1970, época marcada por desastres ambientais e contaminações em massa.


Em Mariana e Brumadinho, o Estado já falhou. Agora, com o PL, ele abdica até de fingir que tenta proteger. A proposta deixa claro: não se trata de aperfeiçoar o licenciamento, mas de anular sua função. Desmonta-se a política ambiental brasileira por dentro, em nome de uma promessa que nunca é feita aos povos — apenas aos mercados.


Alternativas?


Não é necessário copiar modelos históricos, mas é urgente aprender com eles: a verdadeira democracia nasce da base, das assembleias de bairro, coletivos, agrupamentos que debatem e também agem nos territórios onde se luta, e não das salas refrigeradas do Congresso ou das planilhas do agronegócio.


É preciso construir um novo modelo de governança ambiental, em que a natureza não seja vista como ativo financeiro, mas como casa viva de povos, ecossistemas e saberes. Um modelo que reconheça os povos urbanos e rurais como parte ativa - não como obstáculos.


Caminhos possíveis: entre o agora e o necessário


Podemos pautar:


O PL 2159/2021 seja retirado vetada imediatamente;


Nenhuma mudança no licenciamento ambiental seja feita sem consulta ampla e prévia aos povos e comunidades tradicionais, população das cidaes e do campo.


A proteção ambiental seja tratada como um dever constitucional, e não uma variável econômica;


Que a lógica da prevenção, e não da reparação, seja central no processo licenciatório;


Que a educação ambiental e a ciência pública sejam fortalecidas e não apagadas por decisões políticas conjunturais.


A luta é pela vida.


O Estado moderno, é transitório. Pode e deve desaparecer junto com as estruturas de dominação que o sustentam. Mas até lá, precisamos lutar por cada árvore, cada nascente, cada comunidade viva. O PL da Devastação é um ataque a todos esses elementos. Reagir a ele não é uma questão de opinião, é uma exigência diante do colapso ambiental em curso.


Deixamos aqui o nosso chamado. Que cada coletivo, escola, sindicato, aldeia e associação se manifeste. Que o silêncio não cubra a lama que já destruiu demais. Que o futuro não seja decidido por formulários online e promessas vazias, mas por mãos enraizadas na terra+ Porque só há uma lei realmente natural: a de que ninguém vive sem água, ar e floresta.


Por isso, dizemos com todas as letras:

NÃO ao PL 2159/2021. NÃO ao PL da Devastação. SIM à luta por justiça ambiental e social.



Essa é uma nota conjunta entre o GEMA — Grupo Independente de Estudos de Meio Ambiente e a Revista Clio Operária.

 
 
 

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