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O Brasil é dos brasileiros?

Por Rafael Maranhão Torres*


Aqui estão duas características essenciais da Revolução Bolivariana e de qualquer movimento revolucionário que se preze: a organização das massas e a politização dos militares por um viés socialista e anti-imperialista.

Roberto Santana Santos[1]


Introdução


Antonio Martins publicou, no dia 15 de setembro, no site Outras Palavras, um texto crítico[2] que acerta no âmago da questão: na semana em que Bolsonaro foi condenado, o Brasil privatizou três rios na Amazônia. Em 29 de agosto, Lula assinou o decreto nº 12.600, o primeiro passo para privatizar os rios Tocantins, Tapajós e Madeira, que cruzam territórios indígenas e se transformarão em caminhos fáceis para o mercado internacional. Ainda de acordo com o autor do texto, trata-se do atestado da condição periférica e primário-exportadora do Brasil.


A muleta da correlação de forças


Já neste início deixo explícita minha discordância com o autor do texto. Ao responder à questão imposta — sobre o que leva o governo Lula a confirmar a posição de país periférico e de capitalismo dependente, mesmo diante da queda de braço em que saiu vitorioso frente a Donald Trump — assegura que isso é fruto da correlação de forças entre Executivo e Legislativo. Indago, portanto, outra questão para confrontar essa afirmação: se há uma correlação de forças, e Lula é o elo mais fraco, como pode afirmar que iria vetar a anistia a Bolsonaro caso o Congresso a aprove[3]? Se é pauta do Congresso, articulada por Tarcísio de Freitas, Nikolas Ferreira e o núcleo (não tão) duro do bolsonarismo, Lula não poderia, por ser mais fraco politicamente, vetar a anistia. Além disso, quando Lula forçou a mudança no IR, chamou o povo e demonstrou que consegue pautar o que quiser.


Chego a outra resposta que difere da apresentada por Martins e que pode ser dolorosa para lulistas/petistas, bem como para a esquerda moderada. Lula é, sem rodeios, um neoliberal. Um projeto de soberania nacional deve necessariamente questionar o capital internacional como pressuposto de partida. Sem essa condicionante, é apenas enxugar gelo. André Singer afirma que o que possibilitou os programas de combate à fome e à pobreza de Lula 1 e 2 não foi o confronto com o capital, mas o seu apaziguamento por meio de concessões; e que a auto-organização da classe trabalhadora para a luta de classes, que foi a alma que formou o PT no fim dos anos 1970, não foi continuada por Lula[4]. Isso não mudou no Lula-3.


Que nos tornemos uma Venezuela


Chávez, ao ser eleito presidente da Venezuela em 1998, convocou imediatamente a Assembleia Constituinte, cumprindo sua promessa de campanha, para que a população passasse a limpo seu país. No ano seguinte, a nova Carta Magna venezuelana passou a vigorar, defendendo uma democracia verdadeiramente participativa, em contraposição à democracia liberal característica dos países latino-americanos. Reconheceu os direitos dos povos indígenas e do meio ambiente; de forma magistral, aprovou os conselhos populares e assembleias de vizinhos como forma de organização política do povo e, portanto, entidades que os representam. Todos os cargos eleitos passariam por reeleições, inclusive o de presidente, para que o povo decidisse seus representantes de forma direta. Foram quatro as vezes que o povo venezuelano foi chamado a votar em menos de um ano[5].


Foi reeleito no pleito de 2000 e avançou sobre as desigualdades da sociedade do país. Aprovou a Lei de Terras, que promovia o recadastramento das propriedades rurais, passando a exigir a comprovação da posse da terra, bem como mudou o cálculo da taxação, agora baseado no tamanho da propriedade. Terras ociosas seriam destinadas à Reforma Agrária.


Toda a ação de Chávez era acompanhada da politização e da organização popular. Firmou um convênio com Cuba para o envio de médicos à Missão Bairro Adentro, que instalava consultórios médicos em todos os bairros do país, inclusive na periferia. Reformou totalmente o ensino e, em 2005, o país foi declarado território livre do analfabetismo, segundo a ONU. Revolucionou a previdência social e, em 2018, se tornou o primeiro país da América Latina a ter 100% dos idosos recebendo algum benefício.


O socialismo do século XXI e a verdadeira soberania


Defendido por Chávez, o socialismo do século XXI deve dar mais poder político e econômico às diversas formas de organização coletiva e popular, ao passo que o Estado perderá sentido e diminuirá, até se tornar apenas um corpo técnico para atender às necessidades do povo — até sua extinção. A concentração de poder nas mãos da população é o confronto com o capital que Lula não fará. A reestatização de empresas, como ocorreu na Venezuela de Chávez, também o é; bem como a socialização de serviços e direitos materialmente universais. A maior prova factual de soberania que um país latino-americano pode ter é o capital internacional tramando a derrubada do seu governo. Enquanto isso, Lula é a figura da frase “this is the guy!” de Obama.

*Rafael é editor-geral da Clio Operária, historiador e especialista em Serviço Social, Ética e Direitos Humanos. Também é pesquisador sobre neoliberalismo e educador popular pela rede de cursinhos Confluências.


REFERÊNCIAS


[1] - Roberto Santana Santos em “Venezuela: breve história e análise da Revolução Bolivariana, na obra América Latina na encruzilhada: lawfare, golpes e luta de classes

[4] – André Singer em Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador

[5] Ibid.

 
 
 
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