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A educação em revolução - Uma educação integral

Atualizado: 17 de jun.

Fidel Castro conversando com as crianças durante a inauguração de uma escola. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/04/fidel-castro-inaugura-escola.html
Fidel Castro conversando com as crianças durante a inauguração de uma escola. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/04/fidel-castro-inaugura-escola.html

Por Hugo Lousada


O texto que aqui está traduzido ainda não possui publicação em português do Brasil, ainda que exista uma edição em português de Portugal publicada em 1976, traduzida por Nuno Messias. De então até hoje, pelo que consta, não há outra edição em português, seja a variante que for. Será, portanto, inédita a tradução ao português brasileiro. Originalmente publicado pelo Instituto Cubano del Libro em 1974 no livro “La Educación en Revolución” (daí seu nome na edição portuguesa: “Educação em Revolução”), a presente tradução se baseia no capítulo 8 (nomeado “Una educación integral”) da quinta edição do livro já citado. Nesta edição, porém, o livro leva o nome de “Educación y Revolución” e foi publicada no ano de 1980 pela Editorial Nuestro Tiempo.


Capítulo 8: Uma educação integral


Todos nós fomos educados, ensinados com métodos pedagógicos antediluvianos. Em que consiste a falha principal desses métodos? Que não se desenvolvia no estudante, no jovem, a iniciativa, que não se desenvolvia a análise, que não se desenvolvia o instinto de observar tudo, de indagar tudo, de se perguntar sobretudo, de analisar, de investigar. E toda a formação que nós temos recebido desde o primeiro grau, não teria nada a ver com o desenvolvimento dessa característica, desse pensamento inquisitivo, pensamento analítico, e espírito de observação.


Devemos pensar nas crianças de hoje, que são o povo de amanhã. É preciso cuidar e velar por eles como os pilares com que se funda toda obra verdadeiramente bela e verdadeiramente útil. É preciso pensar neles, repito, mais que em nós. A tarefa dessa geração é, sobretudo, criar para o futuro.


E não poderá haver jamais sociedade comunista se não se educa o homem para viver nessa sociedade, se não o forma para viver nessa sociedade. Posto que não é só uma questão de desenvolvimento econômico, não é somente uma questão de abundância; é também em grau muito importante e fundamental uma questão de educação.


Nos propomos seguir a seguinte concepção: nas cidades, os pequenos seminternos; no campo as crianças internas de segunda-feira a sexta-feira, mas não em escolas distantes, não escolas distantes e sim escolas criadas no próprio campo, na mesma zona. E nos propomos criar círculos infantis em todo o campo, escolas de primeiro a quarto grau e escolas de quarto grau ao ensino secundário básico.


Nossa aspiração é que haja escolas suficientes desse tipo para todas as crianças do campo, e refeitórios escolares e instalações também para a totalidade das crianças da cidade como seminternos. De maneira que na cidade irão pela manhã à escola e voltarão à noite; no campo, irão na segunda-feira e regressarão na sexta-feira para dar um pouco de trabalho em casa.


Mas, além disso, essas escolas serão instituições modernas, fortes, instalações sólidas, onde terão todas as coisas necessárias, incluindo o campo esportivo. E as escolas dos alunos de quarto grau em diante terão também suas áreas de trabalho produtivo; e combinaremos, tornaremos realidade também a aspiração de combinar o trabalho com o estudo como única forma de dotar o cidadão de uma educação integral.


Temos que tornar realidade a ideia, desde o primeiro grau, se possível, desenvolvendo um ensino técnico, não essa coisa de aprender as questões de memória, mas ensinar os garotos a manejar a teoria e também a prática; a adquirir ideias abstratas, mas também conhecimentos práticos; aprender desde o círculo, se possível, a manusear os instrumentos de produção, a ter uma ideia elemental, simples, para se familiarizar com a produção.


Que a cada ano se graduem professores com mais nível técnico, que a cada ano se graduem professores com uma formação mais completa, capazes não somente de levar as crianças aos conhecimentos próprios da escola primária, as distintas matérias, mas também de orientá-los, de formá-los como cidadãos e de desenvolver todas as suas faculdades mentais e físicas. Posto que também pretendemos, e em um grau muito alto já se está conseguindo, que, por exemplo, o ensino da educação física no nosso país se pratique desde o primeiro grau, e quem fala da educação física também fala da educação artística dos alunos, uma vez que aspiramos a que nossos professores de ensino fundamental não sejam apenas mestres de instrução primária, mas também professores de educação física na escola primária, e sejam também os que orientem a vocação artística e a formação cultural dos alunos da escola primária. Em duas palavras: aspiramos formar mestres integrais, para uma educação integral, em escolas integrais. Nessas palavras, pode-se resumir nossa aspiração na questão do ensino.


A vida de todas as crianças estará perfeitamente organizada, estará perfeitamente atendida. Irão aos círculos pela manhã – bem cedo – e voltarão a suas casas ao entardecer. E quando já têm idade para ir para o primeiro grau, então sua vida estará totalmente organizada em torno da escola. Lá terão os estudos, os campos esportivos, a alimentação. Irão às segundas-feiras e regressarão às sextas-feiras, e talvez aos sábados. Porque, naturalmente, poderá também planejar-se o que será melhor: que voltem para casa já na sexta-feira ou, ao contrário, dediquem o sábado a atividades esportivas em geral na escola, e já no sábado ao meio-dia vão para casa. E isso significa que os mestres e professores também poderão dispor de tempo livre: metade do sábado e o domingo completo.


Nós não temos a menor dúvida de que os jovens ficarão ansiosos sempre que chegue a segunda-feira, para irem à escola, porque na escola terão todas as facilidades, todas as instalações, terão sua vida perfeitamente organizada de uma maneira agradável, de uma maneira atrativa.


Ou seja, que já não haverá mais essas horas para matar o tempo, já não haverá essas oportunidades para que os jovens se desviem e adquiram hábitos ruins de qualquer tipo. E constantemente, sob a direção de um pessoal altamente qualificado, serão educados mentalmente, fisicamente, socialmente; irão adquirindo os melhores hábitos que uma sociedade pode dar ao ser humano, os melhores sentimentos, os melhores conceitos. Nessa escola serão preparados para a vida.


Se um homem vai viver em uma sociedade, é necessário primeiro saber para que sociedade será preparado esse homem. E logicamente, em uma sociedade que prevalece a lei do mais forte, do mais astuto, do mais esperto; em uma sociedade na qual o individualismo, o egoísmo e cada homem abandonado à sua sorte prevalecem, não se pode ensinar a ninguém a viver. Pode-se aspirar o estabelecimento de uma educação para a vida em uma sociedade fundada em outras bases muito distintas, muito diferentes. Não se podia pregar o sentido da confraternidade humana onde a condição indispensável para viver era tirar algo dos outros, incomodar os outros, prejudicar os demais; se pode desenvolver o sentido da fraternidade humana, da solidariedade humana em seu mais vasto alcance, em uma sociedade que tenha como base e só possa ter como base a solidariedade e a fraternidade entre os seres humanos, onde os seres humanos se ajudam mutuamente, onde os homens juntam suas forças para explorar os recursos da natureza.


E essas crianças receberão uma cultura ampla, uma instrução ampla; receberão uma capacitação e aprenderão a amar o estudo e o trabalho. Essas escolas não serão como as escolas onde iam ao passado uma minoria de filhos de famílias ricas, sem a menor ideia de trabalho; porque, aliás, para quê precisariam disso? Se naquela sociedade o trabalho era realizado pelos pobres, se naquela sociedade os ricos não conheciam o trabalho, nem necessitavam conhecer o trabalho, porque outros trabalhavam para eles. Educarão as crianças no conceito de trabalho desde a mais tenra idade. E se estão no primeiro grau e têm seis anos, aprenderão a cultivar nem que seja uma alface, e aprenderão como se produz uma alface, e aprenderão, além disso, o quão esplêndido é produzir uma alface. Aprenderão, talvez, a regar uma plantinha, aprenderão a regar o jardim, criando um ambiente mais alegre. Terão o que puderem, mas será necessário, desde que comecem a fazer uso da razão, que comecem a ter ideias também de como se produzem os bens materiais, como se aplica a técnica para produzir muitos bens materiais. Deverão começar a ter uma ideia de que, ademais, os bens materiais não caem do céu, que terão de produzi-los com o trabalho. Contudo, adquirirão o conceito mais digno do trabalho; não o trabalho como algo depreciável, não o trabalho como um sacrifício, mas sim o trabalho como um prazer, o trabalho como algo agradável, o mais agradável, o mais belo que o homem pode e deve fazer; o conceito do trabalho nem sequer como um dever, mas sim como uma necessidade moral, como uma forma de investir o tempo dignamente, utilmente.


Conversávamos com o conjunto de professores da primeira escola rural integral que recém inauguramos na província de Pinar del Río. E explicávamos a eles como, na nossa concepção, se conseguíssemos que aqueles rapazes e garotas dedicassem cinquenta por cento ao estudo, trinta por cento ao trabalho produtivo e vinte por cento à educação física e atividades esportivas e recreativas em geral, teríamos alcançado o que nunca nenhuma escola conseguiu. Jamais antes, em nenhuma escola, nunca, os estudantes empregaram cinquenta por cento do tempo em estudar.


Pode-se e deve-se organizar os estudos e a vida dos garotos e dos jovens, de maneira que a combinação do trabalho, do estudo, do esporte, das férias, das atividades recreativas, da educação física, faça incomparavelmente mais feliz e mais entusiasta a atividade do menino e do jovem.


Vamos rumo a uma mudança total, progressivamente, em nossa pedagogia. E não acredito que reste dúvida a ninguém – e se alguém parar aqui agora e olhar, se dará conta de que é verdade -, não reste dúvida a ninguém, de que nós marcharemos à vanguarda do mundo em matéria de formação das novas gerações. E isso significará – digo sem nenhum temor, sem chauvinismo, com certeza, e sim com uma grande convicção -, significará se colocar na vanguarda do caminho do socialismo, assim como significa se colocar na vanguarda do caminho do comunismo.


Nós estivemos hoje vendo alguns desses círculos infantis já terminados e acreditamos que realmente têm se esmerado muito os companheiros que trabalharam nesse projeto, porque vêm fazendo instalações verdadeiramente modernas. Ou seja, aqui os rapazes já ultrapassaram o primitivismo, em que não havia nenhuma escola, não havia nada, para instalações que não têm nada a invejar a qualquer outra em questões de higiene e funcionalidade. A atenção que eles terão, realmente, é uma atenção ótima.


Nós temos o propósito de dar um grande impulso a tudo que se refira a círculos infantis, escolas e internatos. É precisamente aqui onde nós acreditamos que nossa revolução está dando um passo verdadeiramente revolucionário e verdadeiramente grande.


A escola isolada é uma escola muito ineficiente. Em primeiro lugar, tem um único professor, e nós sabemos os problemas dos professores isolados no campo. Primeiro, as dificuldades que têm para ministrar o ensino, a falta de meios para transmitir essa educação, as incomodidades que os alunos enfrentam; é muito difícil, na maior parte das vezes, resolver o problema da água, dos serviços sanitários, sem falar das possibilidades de realizar educação física, esportes e outras atividades. Além disso, é sabido que quando por qualquer circunstância chove muito e os caminhos se fazem intransitáveis, o professor pode não chegar à escola. Há professores que sempre, apesar de tudo, se esforçam e chegam, mas às vezes surgem dificuldades materiais reais. Outras vezes, a própria vida do professor se faz difícil: onde dormir, onde comer. Existem zonas onde sempre aparecem pessoas muito atentas, entre a população que fornece ajuda; outros são mais indiferentes. Mas de toda forma, os mestres isolados nas escolas passam muitas dificuldades. Muitos deles vivem em lugares distantes. Quando não, por qualquer circunstância, o professor adoece ou ocorre qualquer outro problema, os alunos ficam sem professor. E muitas vezes encontramos escolas nas quais o professor falta até dez dias, quinze dias, porque adoeceu-se ou por qualquer outra razão. Ou seja, em todos os aspectos, a escola isolada é algo que resulta muito antiquado e muito ineficiente. Por outro lado, um professor tem que dar aulas para todos os graus: um professor dedica-se ao primeiro grau, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto. E no mesmo ambiente, no mesmo lugar e com os mesmos recursos, ele tem que ensinar várias séries e todas as disciplinas em todos os graus. Não tem nenhuma especialização para ministrar o ensino que corresponde a um nível pré-escolar ou ao primeiro grau, que é muito diferente das aulas que precisam ser dadas no quarto, quinto ou sexto grau.


Em contrapartida, nessas escolas já se concebe, desde já, o professor para o grau correspondente, além disso, a especialização por graus e por matérias. Ou seja, desde os que já estão no quinto ou no sexto grau, que começam a estudar determinadas matérias um pouco mais complexas, já não é o mesmo professor que dá aulas para todo o quinto grau, mas sim um professor ensina determinadas matérias do quinto grau, outro professor ensina outras matérias; outro, outras. Ademais, se concebe a escola como um centro de uma grande atividade no desenvolvimento integral das crianças, com a participação da família, com a participação de toda a comunidade de onde procedem os alunos.


Lendo aqui o programa, víamos as aulas de matemática diariamente. Mas já não é sequer a velha matemática que nos ensinavam de memória quando íamos à escola, e as famosas tabuadas de somar, multiplicar, subtrair e dividir, que uma parte certamente pequena da população aprendeu. Já isso é a aplicação de métodos e ideias totalmente novas, também muito revolucionárias na técnica de ensino. Porque, além de todas essas coisas novas, a pedagogia está se revolucionando, estão superando preconceitos, estão descobrindo as possibilidades da criança de aprender coisas em relação às quais há alguns anos se pensava que ela não poderia aprender; está se descobrindo como certas atividades intelectuais, quanto mais cedo começarem a ser realizadas, melhor; estão se descobrindo as potencialidades que existem nas crianças para o estudo e como, precisamente, se desde a tenra idade elas se dedicarem a esses estudos, podem ir extraordinariamente longe.


Essa concepção é a que nós queremos agora aplicar desde o primeiro, desde o segundo, o terceiro grau. Porque o homem não pode, de maneira nenhuma, se isolar, ou se formar, ou ser educado, de forma independente à atividade fundamental que ele tem que desenvolver em sua vida futura, relacionada com os bens materiais e espirituais que o homem precisa e que precisa cada vez mais em um grau maior. Nós poderíamos acrescentar que, em geral, não acredito que nenhuma sociedade humana tenha aprendido ainda a educar para a vida. Poderia se dizer que toda a educação, em vez de ser uma educação, é uma deseducação; em vez de ser uma formação, é a preparação para a inadaptabilidade. Porque ao menino se começa a idealizar tudo; começam com algumas mentiras que está por decidir se são boas ou não.


E talvez algumas pequenas fantasias sejam boas em uma fase. Mas nos parece que a fantasia se estende ao longo de toda a vida, e que terminamos por preparar o homem não para a vida e nem para encontrar na vida depois um motivo incessante de entusiasmo, de interesse e de esforço até o último dia. E por isso costuma-se falar da vida, e sempre se falou, pelas decepções e amarguras que vem logo e todas essas coisas com as vivências. E é que realmente enganam-se as crianças se os formam de uma maneira idealista, e depois não estão aptos para enfrentar a vida. E digamos realmente que nós não estamos educando a nossa juventude fazendo-a apta para enfrentar a vida. E a vida costuma ser, em suas vivências depois, diferente de tudo que se imaginaram, e tudo que conceberam, e tudo que sonharam e tudo que idealizaram. Não há uma educação para a vida, e acredito que essa é uma questão que nenhuma sociedade humana conseguiu resolver. E acredito que na sociedade comunista pode-se propor – e é muito lógico que se proponha – esse objetivo de como há de se preparar o jovem para a vida desde muito cedo.


No futuro todas as escolas primárias, nos centros açucareiros e no campo, terão hortas produtivas similares às que já começaram a ser organizadas em algumas escolas. Os meninos do quarto, quinto e sexto ano terão duas horas de trabalho produtivo lá no campo, mas até os menores participarão na classificação, em diferentes atividades. E nós chegaremos a ter, quando os meninos forem para o ensino técnico, sete anos de experiência com atividades agrícolas. E isso não é feito para especializá-los em agricultura, é feito para cumprir o princípio da combinação do estudo e do trabalho.


Nós consideramos essa educação para a vida e para o trabalho algo absolutamente essencial da pedagogia revolucionária: o hábito de trabalhar como algo natural, normal. A sociedade capitalista não ensinava nem podia ensinar isso. Essa possibilidade corresponde por inteiro à sociedade revolucionária, ao sistema socialista. E devemos encaminhar nossos esforços nesse sentido. Por acaso se justificaria a existência de ociosos e de parasitas no futuro? Pode chegar a ser um ocioso e um parasita a criança que desde muito cedo é ensinada a produzir bens materiais com suas mãos?


O que é educar? É preparar o homem desde que começa a ter consciência para cumprir seus mais elementares deveres sociais, para produzir os bens materiais e os bens espirituais que a sociedade precisa e a produzi-los por igual, todos com a mesma obrigação.


Na escola de Meneses se tem proposto que fossem ao campo os de quarto, quinto e sexto grau. Os professores têm se encontrado com o problema de que os rapazes de primeiro, segundo e terceiro não aceitam que os levem ao campo, não aceitam! Está se desenvolvendo ao redor disso toda uma pedagogia, ao mesmo tempo. Nas cidades será mais difícil nas escolas primárias, porque terá que inventar, imaginar determinados tipos de oficinas para produções que as crianças podem realizar ali. Não apenas um simples quartinho que diga 'educação laboral', mas sim produções úteis. Trata-se de que a criança tenha consciência de que o esforço que está fazendo, o que está aprendendo a fazer, já é a criação de um artigo que tem utilidade. Isso é o importante.


E voltamos a repetir o que temos dito outras vezes: se se quer que uma criança cuide do jardim, a ensine a semeá-lo, a ensine a regá-lo, façam com que a criança produza o jardim e ninguém terá que ensiná-la a cuidar dele, ninguém terá que persegui-la com um pau para que não destrua o jardim; a ensine a semear uma árvore, e ninguém terá que castigá-la por destruir árvores.


Os que destroem são os que não criam. Os que destroem são os que não possuem a menor sensação do que é criar.

 
 
 

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