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A criminalização da cannabis e as desigualdades raciais: impactos na população negra e periférica no Brasil

Foto do escritor: Tamiris EduardaTamiris Eduarda

Por: Tamiris Andrade Passos



Resumo


Este artigo investiga a criminalização da cannabis no Brasil, destacando suas implicações nas desigualdades raciais e no acesso desigual ao uso terapêutico da substância, particularmente nas comunidades periféricas e negras. A partir de uma análise crítica das políticas públicas de drogas, discute-se como a "guerra às drogas" tem afetado de maneira desproporcional a população negra, resultando em encarceramento em massa e marginalização. Além disso, o artigo examina o impacto das desigualdades socioeconômicas e raciais no acesso à cannabis medicinal, e como o neoliberalismo e a necropolítica contribuem para a perpetuação de injustiças sociais. A pesquisa propõe alternativas políticas para a descriminalização da cannabis, com foco na justiça racial, reparação histórica e inclusão das comunidades periféricas no mercado legal da cannabis.


Palavras-chave: Cannabis, Criminalização, Desigualdade Racial, População Negra, Periferia, Neoliberalismo, Necropolítica, Acesso à Saúde, Mercado de Cannabis, Guerra às Drogas.


1. Introdução


A criminalização da cannabis no Brasil, assim como em diversos outros países, carrega raízes históricas profundamente marcadas pelas estruturas coloniais e racistas que moldaram as políticas públicas de drogas. Desde o início do século XX, com a introdução de novas leis sobre narcóticos, a maconha passou a ser estigmatizada, associada a grupos marginalizados, especialmente à população negra, exacerbando um ciclo de criminalização e exclusão social. O movimento de "guerra às drogas", que se consolidou nas últimas décadas, resultou em uma penalização desproporcional de comunidades periféricas e negras, que, ao longo do tempo, foram associadas ao tráfico e ao consumo de substâncias ilícitas. Essas políticas de repressão, ao invés de promoverem a segurança pública, aprofundam as desigualdades sociais e raciais, gerando consequências devastadoras para essas populações.


O impacto social e econômico da criminalização da cannabis é significativo, afetando principalmente as favelas e periferias, onde o acesso à saúde, educação e justiça é limitado. A penalização do consumo de cannabis, além de resultar em encarceramento em massa, também contribui para o afastamento de um debate mais amplo sobre os potenciais benefícios terapêuticos da substância, que poderiam beneficiar essas populações, especialmente no que tange ao cuidado da saúde mental e doenças crônicas. Esse quadro reforça as disparidades raciais e de classe no Brasil, sendo necessário questionar e discutir a descriminalização e a reparação histórica para lidar com os danos estruturais causados pela criminalização e suas consequências para os territórios periféricos e negros.


Este artigo visa explorar essas questões, destacando as raízes coloniais e racistas da política de drogas, e propondo uma reflexão sobre os efeitos sociais e econômicos da criminalização da cannabis, com foco nas populações marginalizadas e na urgente necessidade de reformulação das políticas públicas relacionadas ao tema.


2. NEOLIBERALISMO E O MERCADO DE CANNABIS


A política de drogas no Brasil tem sido historicamente marcada por uma abordagem proibicionista, fortemente atravessada por fatores raciais e de classe. No entanto, nos últimos anos, o debate sobre a regulação da cannabis ganhou espaço no cenário político e econômico, impulsionado pela legalização para fins medicinais e pelo crescente interesse do mercado. O neoliberalismo, enquanto modelo econômico que prioriza a desregulamentação, a privatização e a maximização do lucro, transformou a cannabis em uma mercadoria, beneficiando grandes corporações e investidores, ao mesmo tempo em que mantém as populações negras e periféricas sob um sistema repressivo. Esse fenômeno evidencia a perpetuação das desigualdades raciais e sociais na transição da criminalização para a mercantilização da cannabis.


2.1 Privatização do mercado de cannabis: impactos das desigualdades raciais e sociais


O avanço da regulação da cannabis no Brasil tem seguido um modelo de legalização seletiva, onde a substância passa a ser comercializada dentro de um sistema altamente burocrático e financeiramente inacessível para a maior parte da população. De acordo com Rodrigues (2023), o processo de legalização da cannabis no país tem priorizado empresas e investidores que possuem capital para atuar no mercado, enquanto comunidades historicamente criminalizadas continuam sendo alvos da repressão estatal. Esse fenômeno segue a tendência observada em países como os Estados Unidos, onde a legalização não resultou em justiça social para a população negra, mas sim em uma nova forma de exploração econômica (ALEXANDER, 2012).


A política neoliberal, ao invés de propor uma reparação histórica para aqueles que sofreram os impactos da guerra às drogas, fortalece a privatização do mercado de cannabis, consolidando o controle da produção e distribuição nas mãos de grandes corporações. Conforme aponta Santos (2024), a regulamentação da cannabis no Brasil ocorreu de forma elitizada, com altos custos para obtenção de licenças e exigências regulatórias que excluem pequenos produtores e comunidades que poderiam se beneficiar economicamente da produção legal. Esse modelo não apenas aprofunda desigualdades, mas também impede que a legalização tenha um caráter redistributivo, como ocorre em algumas experiências internacionais, a exemplo do Canadá e do Uruguai (FARIA, 2021).


2.2 Inacessibilidade da cannabis medicinal nas favelas e periferias


Um dos principais reflexos da mercantilização da cannabis sob a ótica neoliberal é a inacessibilidade da cannabis medicinal para populações economicamente vulneráveis. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha regulamentado o uso medicinal da cannabis por meio da Resolução RDC nº 327/2019, os custos elevados para obtenção dos medicamentos dificultam seu acesso, especialmente para pacientes da classe trabalhadora e moradores de periferias (BRASIL, 2019).


O processo de obtenção de cannabis medicinal no Brasil envolve uma série de barreiras burocráticas, como a necessidade de prescrição médica especializada e a importação de produtos com preços que podem ultrapassar R$ 2.500 por mês (COSTA, 2023). Dessa forma, enquanto indivíduos brancos e de classe média têm acesso facilitado a medicamentos à base de cannabis, moradores de favelas e periferias continuam sendo criminalizados pelo uso da mesma substância. Como destaca Ribeiro (2022), a legalização sem mecanismos de inclusão social não apenas mantém a marginalização de usuários negros e periféricos, mas também reforça a desigualdade no acesso a tratamentos de saúde.


Além disso, o Estado mantém uma postura repressiva em relação ao autocultivo e à produção artesanal de cannabis, o que limita ainda mais as possibilidades de acesso para aqueles que não podem arcar com os custos do mercado formal. Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), mesmo pacientes que possuem autorização judicial para cultivo pessoal enfrentam dificuldades com abordagens policiais arbitrárias e apreensões ilegais de seus medicamentos (DPU, 2024). Essa seletividade penal reflete a continuidade do racismo estrutural na política de drogas, onde o uso da cannabis por indivíduos negros e pobres é tratado como crime, enquanto para indivíduos brancos e ricos é uma questão de saúde e bem-estar (CUNHA, 2023).


2.3 O neoliberalismo e a desconstrução do direito à saúde para populações marginalizadas


No contexto neoliberal, a saúde deixa de ser tratada como um direito universal e passa a ser um serviço comercializável, acessível apenas para aqueles que possuem poder aquisitivo. A legalização da cannabis medicinal no Brasil segue essa lógica, transformando um potencial tratamento terapêutico em um privilégio de classe. Como aponta Silva (2023), o alto custo dos medicamentos à base de cannabis reflete a mercantilização da saúde e a priorização do lucro em detrimento do bem-estar da população.


Essa dinâmica evidencia como o neoliberalismo reproduz desigualdades, impedindo que políticas de legalização sejam utilizadas como ferramentas de justiça social. Em países como o Uruguai, onde o Estado controla a distribuição da cannabis e estabelece preços acessíveis, o processo de legalização teve um impacto mais democrático e inclusivo (REZENDE, 2021). No Brasil, no entanto, a ausência de políticas públicas voltadas para a democratização do acesso à cannabis medicinal demonstra que a legalização foi moldada para atender interesses de mercado, e não para reparar os danos causados pela criminalização histórica da substância.


A luta por uma política de drogas antirracista no Brasil exige, portanto, um modelo de regulação que leve em consideração os impactos do proibicionismo sobre a população negra e periférica. A implementação de mecanismos de inclusão, como subsídios para acesso à cannabis medicinal, incentivo ao autocultivo e descriminalização efetiva do uso recreativo, são medidas fundamentais para que a legalização não seja mais uma ferramenta de aprofundamento das desigualdades sociais.


3. NECROPOLÍTICA E CRIMINALIZAÇÃO DO USUÁRIO DE CANNABIS


A necropolítica, conceito elaborado pelo filósofo Achille Mbembe (2018), refere-se ao uso do poder político e estatal para administrar a vida e a morte, concentrando-se na eliminação de determinados grupos sociais considerados "indesejáveis". No Brasil, a necropolítica se manifesta de forma contundente na criminalização da cannabis, particularmente no que tange às comunidades negras e periféricas. A política de drogas, ao associar o uso da cannabis ao tráfico e à criminalidade, serve como uma ferramenta de controle e destruição da população negra, em um processo de genocídio encoberto que elimina corpos periféricos e vulneráveis ao sistema de repressão. Esse processo é estruturado pela seletividade da aplicação das leis e pelo estigma racial, que molda a figura do "traficante" negro e contribui para a continuidade da marginalização e da violência estatal.


3.1 Necropolítica e genocídio da população negra: a criminalização como ferramenta de controle e destruição das comunidades negras


A criminalização da cannabis, especialmente no contexto de favelas e periferias, atua como um mecanismo de controle social sobre a população negra. Segundo Santos (2020), a criminalização do uso e comércio de drogas no Brasil tem um caráter racista estruturado, com a população negra sendo a principal alvo da repressão. A necropolítica, nesse sentido, transforma as comunidades periféricas em "territórios de exceção", onde a violência estatal é legitimada e a vida dos indivíduos negros é tratada como descartável. Esse processo de necropolítica tem raízes profundas no legado colonial e escravocrata, onde a população negra foi historicamente tratada como inferior e, portanto, menos digna de proteção e direitos (MUNANGA, 2004).


A ideia de genocídio das populações negras é particularmente evidente no sistema de encarceramento em massa, onde um número desproporcional de negros é preso, principalmente por delitos relacionados ao tráfico de drogas. De acordo com a Anistia Internacional (2022), no Brasil, a guerra às drogas, mais especificamente contra o tráfico de cannabis, tem servido como um pretexto para a implementação de políticas que visam não só a repressão do tráfico, mas também a exterminação simbólica e real das comunidades negras. O uso do poder punitivo do Estado para lidar com a questão das drogas em territórios periféricos revela o caráter genocida da política, que resulta na morte física, psicológica e social dos indivíduos negros.


3.2 A seletividade na aplicação das leis: a polícia como agente central na execução da necropolítica em favelas e periferias


A aplicação seletiva das leis no Brasil é uma das principais características da necropolítica no país. A polícia, como agente central na execução dessa necropolítica, atua de forma discriminatória, direcionando suas operações para as favelas e periferias, áreas predominantemente negras. Segundo Silva (2021), as incursões policiais em comunidades periféricas, muitas vezes com o objetivo de combater o tráfico de drogas, são realizadas com extrema violência e frequentemente resultam em mortes, ferimentos e prisões de jovens negros. A seletividade na aplicação das leis, portanto, não é apenas uma questão de política pública, mas uma estratégia de controle e subordinação das populações negras, que são criminalizadas independentemente de seu envolvimento com o tráfico ou consumo de drogas.


O uso da força policial contra moradores dessas comunidades é justificado pela alegação de combate ao crime, mas, na prática, atua como uma forma de controle social, deslegitimando as reivindicações por justiça e segurança pública. De acordo com Lima (2022), a polícia nas favelas e periferias, ao invés de promover a proteção, atua como uma força de exterminação, moldando a percepção pública de que a vida negra é descartável e que, ao viver nessas áreas, os indivíduos já se tornam alvos do sistema penal. O conceito de "guerra às drogas", portanto, serve como uma justificativa para ações violentas, contribuindo para a ideia de que a eliminação de corpos negros é uma medida legítima para a manutenção da ordem social.


3.3 A construção da figura do "traficante" negro: como o estigma racial reforça a criminalização do uso e comércio da cannabis nas periferias


A criminalização do uso e comércio de cannabis nas periferias está intimamente ligada à construção da figura do "traficante" negro. Essa construção social e racial do criminoso é um reflexo do estigma racial, que associa a população negra ao tráfico de drogas e à criminalidade. A partir dessa estigmatização, os jovens negros que moram nas periferias são automaticamente vistos como suspeitos, sendo criminalizados mesmo sem qualquer envolvimento com atividades ilícitas. Segundo Soares (2020), o estigma racial relacionado ao uso da cannabis contribui para a marginalização dos negros, tornando-os mais vulneráveis ao sistema penal e aos preconceitos institucionais.


A construção dessa figura estigmatizada também é alimentada pela representação midiática e cultural, que frequentemente associa o uso de drogas, incluindo a cannabis, às classes sociais mais baixas, predominantemente negras e periféricas. Em estudos realizados por Oliveira (2021), evidenciou-se que a presença de negros nas notícias sobre tráfico de drogas é desproporcionalmente maior, reforçando a ideia de que a população negra está intrinsicamente ligada ao crime, especialmente ao tráfico de cannabis. Esse estigma racial é internalizado pela sociedade, tornando os negros mais susceptíveis à discriminação e à violência policial, além de legitimar a criminalização da cannabis como uma medida de "controle social" e "segurança pública".


3.4 Consequências do estigma racial na criminalização do usuário de cannabis


O estigma racial, associado ao uso e ao comércio da cannabis, não apenas reforça a criminalização de indivíduos negros, mas também resulta em consequências duradouras para as vítimas da necropolítica. A marca de "traficante" imposta aos negros de favelas e periferias traz uma série de impactos sociais e econômicos, como a exclusão do mercado de trabalho formal, a dificuldade de acesso à educação e saúde e a perpetuação da pobreza e da marginalização. Como afirma Lima (2023), o estigma de ser "traficante" ou "usuário de drogas" implica na estigmatização permanente do indivíduo, mesmo após a prisão ou cumprimento de pena, tornando impossível sua reintegração plena à sociedade.


Em um contexto mais amplo, a criminalização do usuário de cannabis dentro de uma perspectiva racializada fortalece a exclusão social e reforça as barreiras econômicas e sociais que segregam a população negra nas periferias. O processo de estigmatização, portanto, não se limita ao campo jurídico, mas se expande para a estrutura social, perpetuando a ideia de que a vida de negros e periféricos não possui o mesmo valor que a vida de pessoas brancas, privilegiadas e distantes da realidade das favelas e comunidades marginalizadas.


4. A INTERSEÇÃO ENTRE RAÇA E CLASSIFICAÇÃO SOCIAL NO ACESSO À CANNABIS


A interseção entre raça e classificação social no acesso à cannabis no Brasil revela profundas desigualdades estruturais que afetam diretamente o tratamento de usuários de cannabis, especialmente nas periferias e entre a população negra. A maneira como as autoridades tratam o consumo de cannabis, assim como a maneira como a mídia a representa, reflete e reforça o racismo estrutural que permeia as instituições brasileiras. O estigma racial associado ao uso da cannabis, particularmente nas favelas e comunidades periféricas, fortalece a discriminação social e institucional, perpetuando as disparidades no acesso à saúde e no tratamento legal dos indivíduos negros. Este processo de criminalização racializada tem consequências significativas para as relações sociais, com a população negra sendo não apenas criminalizada, mas também marginalizada em diversas esferas da vida social e econômica.


4.1 Desigualdade racial no tratamento de usuários de cannabis: a discrepância no tratamento de usuários brancos e negros pelas autoridades e a mídia


A desigualdade racial no tratamento de usuários de cannabis é uma das facetas mais visíveis da discriminação no Brasil. Quando comparados os usuários brancos e negros, observa-se que a polícia, as autoridades judiciais e os sistemas de saúde tratam as populações negras de forma desproporcionalmente mais punitiva, enquanto os brancos frequentemente recebem tratamento mais brando ou, muitas vezes, não são sequer abordados. Segundo a pesquisa realizada por Souza (2020), enquanto usuários brancos de cannabis, especialmente os de classes sociais mais altas, muitas vezes não enfrentam represálias significativas ou até são tratados de forma mais compreensiva, os usuários negros, especialmente nas periferias, são mais suscetíveis à prisão e à violência policial.


A mídia também desempenha um papel crucial nesse processo de discriminação racial. Em uma análise das representações midiáticas do uso de cannabis, Lopes (2021) aponta que a cobertura da mídia muitas vezes associa o uso de drogas à criminalidade, especialmente quando o usuário é negro. Isso ocorre de forma explícita e implícita, com a ênfase na criminalização de indivíduos negros e a ausência de discussões sobre os aspectos de saúde pública relacionados ao uso de cannabis. Esse viés racial e social reforça a ideia de que o consumo de cannabis nas periferias é sempre ligado ao tráfico e à violência, ignorando o consumo recreativo ou medicinal legítimo, uma vez que as pessoas negras frequentemente são vistas apenas pelo prisma da criminalidade.


O tratamento diferenciado entre brancos e negros também se reflete na aplicação das leis, onde o racismo institucional se manifesta na seletividade penal. Quando um indivíduo branco é flagrado com cannabis, é possível que ele seja tratado como um simples usuário ou até receba uma advertência. No entanto, indivíduos negros são frequentemente vistos como traficantes ou membros de facções criminosas, sendo mais vulneráveis à prisão e a tratamentos punitivos excessivos. De acordo com Silva (2022), essa disparidade no tratamento entre brancos e negros reforça as desigualdades sociais e alimenta o ciclo de criminalização das populações negras, tornando a cannabis um fator adicional na marginalização e na estigmatização de comunidades inteiras.


4.2 O estigma racial em torno do uso de cannabis nas favelas: Como o racismo estrutural influencia as relações sociais e legais no contexto do consumo de cannabis


O estigma racial em torno do uso de cannabis nas favelas está profundamente entrelaçado ao racismo estrutural que permeia as relações sociais e legais no Brasil. Em muitas comunidades periféricas, o consumo de cannabis não é tratado como uma questão de saúde pública ou um comportamento pessoal, mas como um ato de criminalidade e subversão da ordem social. De acordo com Ramos (2021), o consumo de cannabis, especialmente entre os jovens negros, é frequentemente rotulado como "perigoso" ou "subversivo", perpetuando o medo e a criminalização. O estigma racial faz com que as autoridades e a sociedade em geral associem a população negra e as favelas ao tráfico de drogas, enquanto as classes sociais mais altas, predominantemente brancas, são mais frequentemente associadas ao uso recreativo e medicinal sem maiores consequências.


Esse estigma é resultado direto de um sistema que racializa as práticas de consumo, criminalizando de maneira desproporcional as populações negras. Ao tratar o consumo de cannabis nas favelas como algo intrinsicamente associado ao crime, o racismo estrutural limita as opções de acesso à cannabis medicinal ou legal para as populações mais vulneráveis. Como apontado por Costa (2022), a incapacidade das políticas públicas de distinguir entre consumo recreativo e tráfico de drogas em comunidades periféricas reforça o estigma racial e criminaliza os indivíduos sem que haja uma diferenciação adequada entre usuários e traficantes. Além disso, o racismo estrutural perpetua a ideia de que as comunidades negras estão mais propensas à criminalidade, tornando-os alvos ideais para a repressão legal e policial.


O impacto social desse estigma racial no uso da cannabis é vasto, afetando o acesso à saúde, à educação e ao mercado de trabalho. Quando um jovem negro é preso por consumo de cannabis, ele carrega o estigma de "delinquente" por toda a sua vida, independentemente de seu envolvimento real com o tráfico. Esse estigma perpetua a desigualdade e cria barreiras para a reintegração social dos indivíduos, prejudicando suas chances de acesso a oportunidades econômicas e sociais. No contexto das favelas, o racismo estrutural e o estigma racial relacionado à cannabis se tornam barreiras insuperáveis para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.


5. O IMPACTO DA CRIMINALIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE PODER E NO SISTEMA DE JUSTIÇA


A criminalização da cannabis no Brasil é parte de um complexo sistema de controle social e marginalização, que afeta de maneira desproporcional a população negra. Este sistema se reflete no encarceramento em massa, em particular de jovens negros, que são sistematicamente criminalizados, excluídos e marginalizados pelas instituições sociais e jurídicas. A aplicação seletiva da lei, no que tange ao uso de drogas, cria um ciclo de punição e estigmatização que não só penaliza os indivíduos, mas também prejudica suas perspectivas de reintegração social e acesso a direitos básicos. Este processo reflete e reforça relações de poder que perpetuam desigualdades raciais e sociais no país, particularmente no sistema de justiça e penal.


5.1 Prisões e encarceramento em massa: como o sistema penal brasileiro é estruturado para criminalizar e excluir a população negra


O encarceramento em massa é uma das consequências mais diretas e visíveis da criminalização da cannabis no Brasil. O sistema penal brasileiro, em grande parte, é estruturado para manter e ampliar a exclusão social de populações marginalizadas, particularmente a população negra. De acordo com Gomes (2021), embora as taxas de consumo de cannabis sejam semelhantes entre brancos e negros, as prisões e condenações por delitos relacionados à droga são desproporcionalmente mais altas entre os negros. Este fenômeno é fruto de uma série de fatores, incluindo a seletividade no processo de policiamento, onde a polícia foca principalmente em áreas periféricas e em indivíduos negros, associando-os ao tráfico de drogas.


A estrutura do sistema de justiça penal brasileiro não apenas penaliza o consumo de cannabis, mas também serve como um mecanismo de controle social, reafirmando o estigma racial e a marginalização de comunidades inteiras. Segundo Lima (2020), a "guerra às drogas" tem sido uma estratégia deliberada para manter o controle sobre as classes sociais mais baixas, com ênfase na população negra. A criminalização das drogas, especialmente da cannabis, é usada para justificar a prisão de jovens negros, os quais são frequentemente alvo de abordagens policiais violentas e desproporcionais. O sistema penal não apenas criminaliza os usuários de cannabis, mas os exclui de forma sistemática, privando-os de seus direitos civis e perpetuando sua marginalização econômica e social.


O encarceramento em massa tem um impacto devastador, criando um ciclo de punição e exclusão que é difícil de quebrar. Quando os indivíduos são aprisionados, muitas vezes ficam marcados de maneira permanente, enfrentando dificuldades de reintegração social após a saída da prisão. Além disso, o encarceramento afeta negativamente o núcleo familiar, especialmente em comunidades negras, onde a prisão de um membro da família pode resultar em um aumento da vulnerabilidade social e econômica de todos os envolvidos (Andrade, 2021).


5.2 O encarceramento de jovens negros: as implicações da prisão em massa de jovens negros para sua reintegração social e os impactos no mercado de trabalho


O encarceramento de jovens negros é uma das realidades mais alarmantes no Brasil, especialmente em relação ao consumo e tráfico de cannabis. Esses jovens, muitas vezes moradores de favelas e comunidades periféricas, são os mais atingidos pela criminalização da cannabis. A prisão em massa de jovens negros não apenas desestabiliza suas vidas pessoais, mas também tem implicações graves para sua reintegração social, educação e oportunidades no mercado de trabalho. De acordo com Silva (2022), a prisão de jovens negros por crimes relacionados à cannabis impede que esses indivíduos se desenvolvam de maneira plena e integrada à sociedade. O impacto disso se reflete em suas oportunidades educacionais e no mercado de trabalho, uma vez que a prisão e o estigma criminal geralmente resultam em barreiras significativas para conseguir um emprego formal, o que contribui para a perpetuação da pobreza e da desigualdade racial.


Além disso, o encarceramento dos jovens negros muitas vezes os afasta das suas famílias e da educação, criando uma geração de pessoas privadas de direitos fundamentais, como o direito ao trabalho e à dignidade humana. No sistema de justiça brasileiro, jovens negros são frequentemente tratados como criminosos em potencial, independentemente do seu comportamento ou histórico, com a prisão se tornando a resposta imediata para o consumo de cannabis. O impacto disso no mercado de trabalho é notório, já que muitas empresas, com base no estigma social e no registro criminal, não contratam pessoas com antecedentes de prisão, ampliando ainda mais as desigualdades econômicas enfrentadas por essa população.


O processo de reintegração social dos jovens negros após a prisão é, portanto, uma tarefa complexa e repleta de desafios. A falta de programas eficazes de reabilitação e apoio, somada à exclusão social imposta pelas barreiras do mercado de trabalho, contribui para a marginalização desses jovens. Segundo Barbosa (2021), as políticas públicas voltadas para a reintegração social de ex-presidiários no Brasil são ineficazes, o que resulta em um ciclo contínuo de reincidência criminal. O estigma racial, aliado ao histórico de prisão, impede que esses indivíduos tenham acesso a oportunidades dignas, perpetuando um sistema de desigualdade que afeta principalmente a população negra.


6. A CANNABIS COMO FERRAMENTA DE RESISTÊNCIA NAS COMUNIDADES PERIFÉRICAS


A criminalização da cannabis, embora tenha sido uma ferramenta de opressão e controle, também gerou uma série de respostas de resistência nas comunidades periféricas, particularmente entre os negros. Em um contexto de marginalização e violência sistêmica, a cannabis emergiu não só como um símbolo de resistência, mas também como um meio de fortalecimento da autonomia e da organização comunitária. As práticas de cultivo comunitário e os movimentos sociais pela legalização têm sido, portanto, formas de subversão do sistema de opressão, além de um espaço de reivindicação por justiça social, igualdade racial e direitos territoriais.


6.1 Cultivo comunitário de cannabis nas periferias: o uso da cannabis como uma forma de resistência e fortalecimento da autonomia das comunidades negras e periféricas


O cultivo comunitário de cannabis nas periferias é uma prática que, embora ilegal no Brasil, representa uma forma de resistência à opressão racial e econômica. Em muitas comunidades periféricas, principalmente nas favelas, a cannabis tem sido cultivada de forma clandestina, mas também como uma ferramenta de resistência política e social. O cultivo oferece uma alternativa à ausência de políticas públicas e à exploração econômica das populações negras e periféricas. Segundo Silva e Souza (2022), em algumas comunidades, o cultivo de cannabis tem se transformado em uma estratégia de fortalecimento da autonomia local, permitindo que as comunidades se organizem politicamente e ganhem controle sobre seus próprios recursos. Isso ocorre, em grande parte, devido à marginalização econômica e social a que as periferias são submetidas, onde as alternativas econômicas legais são escassas e ineficazes.


O cultivo de cannabis pode ser visto, portanto, como um meio de resistência à criminalização das populações negras, que frequentemente são alvo de políticas punitivas. Além disso, a prática também está associada à construção de redes de solidariedade, em que o cultivo de cannabis se transforma em uma fonte de organização comunitária e um espaço de empoderamento coletivo. Em vez de serem passivos na luta contra a opressão, os moradores dessas comunidades se tornam protagonistas, reivindicando o direito à liberdade e ao controle sobre os meios de produção. Segundo Martins (2021), a cannabis, ao ser cultivada nas comunidades periféricas, torna-se não apenas uma planta de uso pessoal ou recreativo, mas um elemento chave para o fortalecimento do movimento de resistência antirracista e anticapitalista.


Contudo, é importante reconhecer que o cultivo comunitário de cannabis enfrenta grandes desafios, principalmente devido à repressão policial e à criminalização das atividades associadas a ele. A presença constante da polícia nas favelas e periferias, juntamente com a criminalização dos usuários e produtores de cannabis, impõe riscos elevados para os envolvidos, além de dificultar a organização e o desenvolvimento dessas práticas como um movimento legítimo. Mesmo assim, a resistência persiste, e a cannabis continua a ser uma ferramenta de subversão das normas racistas e coloniais que moldam a sociedade brasileira.


6.2 Movimentos sociais pela legalização: a organização da sociedade civil negra em torno da legalização e seus efeitos no fortalecimento das comunidades periféricas


Os movimentos sociais pela legalização da cannabis têm ganhado força nos últimos anos, com uma crescente mobilização de organizações negras e periféricas que demandam uma abordagem mais justa e igualitária em relação à planta. A luta pela legalização da cannabis não é apenas uma questão de direitos individuais, mas uma questão de justiça social, que afeta diretamente as comunidades negras e periféricas. De acordo com Oliveira (2021), movimentos como o Reaja ou Será Morto e o Movimento Nacional de Luta pela Legalização da Cannabis (MNLC) têm sido cruciais para a articulação de uma agenda política que desafia a criminalização, promovendo um debate sobre as desigualdades sociais e raciais envolvidas no tratamento da cannabis.


A sociedade civil negra tem se mostrado ativa na promoção da legalização da cannabis, não apenas como uma forma de garantir o direito ao consumo, mas também como uma forma de combater o racismo estrutural. A criminalização da cannabis afeta desproporcionalmente a população negra, com milhares de pessoas presas, especialmente jovens negros, por crimes relacionados ao tráfico ou ao consumo da substância. A legalização da cannabis, portanto, é vista como uma ferramenta para desconstruir o estigma racial e proporcionar uma maior equidade social. A luta pela legalização também é uma resposta ao modo como a criminalização afeta as relações de poder dentro das comunidades periféricas, gerando um ciclo de marginalização que exclui cada vez mais os negros da possibilidade de ter acesso a recursos e oportunidades econômicas.


Além disso, a legalização pode proporcionar o fortalecimento das comunidades periféricas ao criar oportunidades econômicas dentro de um mercado legal e regulado. Segundo Costa e Andrade (2020), ao ser legalizada, a cannabis poderia criar uma nova fonte de renda para as comunidades negras e periféricas, além de possibilitar o acesso a novos espaços de negócios e desenvolvimento econômico. O mercado da cannabis legalizada, se estruturado de maneira inclusiva e voltada para a reparação histórica, pode servir como um mecanismo de inclusão econômica para as comunidades marginalizadas.


Por fim, é importante ressaltar que, para além dos benefícios econômicos, a legalização da cannabis também é um ato simbólico de resistência, em que a sociedade civil negra reafirma o direito de existir e de lutar contra o sistema que a oprime. A legalização é, portanto, não apenas uma demanda por justiça legal, mas também um apelo por justiça racial, que visa corrigir as desigualdades históricas e sociais que afetam a população negra e periférica no Brasil.


7. SAÚDE MENTAL, CANNABIS E ACESSO NAS COMUNIDADES NEGRAS


A relação entre cannabis e saúde mental nas comunidades negras periféricas é um tema de crescente importância, especialmente quando se considera o contexto de violência social e racismo estrutural que essas populações enfrentam. A cannabis, historicamente marginalizada e criminalizada, tem sido, de forma clandestina, utilizada como uma alternativa terapêutica para distúrbios mentais, como ansiedade e depressão, comuns em contextos de opressão racial e violência policial. No entanto, as barreiras sociais, econômicas e raciais dificultam o acesso a tratamentos eficazes, incluindo a cannabis medicinal, e perpetuam a desigualdade no cuidado à saúde mental dessas populações.


7.1 Cannabis e saúde mental nas comunidades periféricas: o papel da cannabis no tratamento de distúrbios como ansiedade e depressão em contextos de racismo estrutural e violência social


As comunidades periféricas negras, frequentemente expostas a condições de vida precárias, racismo estrutural e violência policial, enfrentam altos índices de distúrbios psicológicos, como ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático. De acordo com Souza e Silva (2021), a cannabis tem sido considerada, em alguns casos, uma alternativa terapêutica eficaz para lidar com os sintomas desses distúrbios, especialmente em um cenário de escassez de serviços de saúde mental adequados nas favelas e periferias. A planta, por seus compostos psicoativos como o THC e o CBD, pode atuar na redução da ansiedade e do estresse, além de aliviar sintomas depressivos, funcionando como um tratamento complementar ou paliativo para aqueles que não têm acesso a medicamentos convencionais.


Entretanto, é importante destacar que a cannabis medicinal tem um efeito terapêutico particularmente relevante em um contexto de racismo estrutural. Segundo Lima e Costa (2020), a cannabis pode servir como uma ferramenta para o autocuidado dentro das comunidades periféricas, ajudando a reduzir os impactos negativos do racismo na saúde mental. A utilização da cannabis como terapia, por parte de indivíduos que enfrentam discriminação racial e violência cotidiana, pode proporcionar uma sensação de alívio temporário, permitindo que os usuários lidem melhor com a ansiedade e os efeitos do estresse pós-traumático. Isso não significa, no entanto, que a cannabis seja uma solução definitiva, mas sim uma alternativa viável enquanto políticas públicas e tratamentos de saúde mental adequados não são implementados de forma mais eficaz nessas comunidades.


Ainda, o uso de cannabis medicinal em comunidades periféricas não deve ser visto apenas como uma estratégia para o alívio dos sintomas de distúrbios mentais, mas também como um mecanismo de resistência à marginalização social. A busca pelo alívio da dor mental e emocional, frente a um sistema de saúde que não atende adequadamente a essas populações, reflete o desejo de autonomia sobre os próprios cuidados e a luta pela sobrevivência em um contexto opressor. Como argumenta Oliveira (2019), a saúde mental das populações periféricas está intrinsecamente ligada à opressão racial e social, e a cannabis se torna uma ferramenta de resistência e resiliência frente ao sofrimento sistêmico.


7.2 Barreiras no acesso ao tratamento: como as desigualdades de classe e raciais afetam o acesso à cannabis medicinal e suas alternativas terapêuticas


Apesar do potencial terapêutico da cannabis, o acesso à cannabis medicinal continua sendo um desafio significativo para as comunidades periféricas negras. As desigualdades de classe e raciais no Brasil criam um cenário no qual o acesso a tratamentos alternativos, como a cannabis medicinal, é extremamente restrito. A cannabis medicinal, embora legalizada em algumas regiões, ainda é inacessível para muitos devido aos altos custos dos tratamentos e à falta de infraestrutura nas áreas periféricas para oferecer suporte adequado. O preço elevado da cannabis medicinal é uma das maiores barreiras para o acesso, uma vez que muitos residentes das favelas não podem arcar com os custos de tratamentos baseados em cannabis.


De acordo com Lima e Almeida (2020), o preço de tratamentos com cannabis é frequentemente proibitivo para as populações negras e periféricas, que enfrentam uma combinação de desafios econômicos e falta de acesso à saúde pública de qualidade. Além disso, a cannabis medicinal ainda é um tema envolto em estigma, especialmente entre aqueles que pertencem a classes sociais mais baixas, onde o consumo de cannabis é visto com preconceito e desconfiança. Esse estigma se agrava quando a cannabis é associada à criminalização do tráfico de drogas e ao envolvimento das comunidades periféricas em práticas ilícitas.


Além das barreiras econômicas e do estigma, a falta de conhecimento e informação sobre o uso terapêutico da cannabis também é um fator limitante. Muitos profissionais de saúde, especialmente nas periferias, não estão devidamente informados sobre os benefícios da cannabis medicinal, o que dificulta a orientação e a prescrição adequada de tratamentos. Silva (2021) aponta que o acesso à cannabis medicinal é também afetado pela falta de políticas públicas inclusivas que garantam que as populações negras e periféricas tenham acesso igualitário aos tratamentos de saúde.


A exclusão dessas populações do mercado de cannabis medicinal não se limita apenas às barreiras econômicas, mas também à marginalização do próprio cuidado à saúde mental nessas áreas. A invisibilidade das necessidades de saúde mental das populações negras e periféricas no sistema de saúde contribui para que os tratamentos de saúde mental, incluindo aqueles que envolvem cannabis, sejam subnotificados ou negligenciados pelas autoridades competentes. Nesse contexto, as comunidades negras se veem obrigadas a recorrer a tratamentos alternativos ou a métodos informais, como o cultivo de cannabis para uso próprio, o que aumenta ainda mais a precariedade do acesso e a criminalização de seus membros.


8. A CRIMINALIZAÇÃO DA CANNABIS NO BRASIL 


A criminalização da cannabis no Brasil, especialmente no contexto das comunidades negras e periféricas, não pode ser compreendida de forma isolada. Ela é parte de um processo mais amplo de marginalização e subordinação que afeta essas populações desde os tempos coloniais e que se perpetua até os dias atuais por meio das políticas de drogas. Nesse sentido, a análise da cannabis enquanto um agente de resistência, e ao mesmo tempo um símbolo de resistência, reflete a resistência contínua das comunidades periféricas contra um sistema de opressão que visa invisibilizá-las e desumanizá-las.


8.1 Abordagem antirracista na política de drogas: propostas para um sistema de justiça mais inclusivo e respeitoso com os direitos da população negra e periférica


É imperativo que a política de drogas seja reavaliada à luz de uma abordagem antirracista que leve em consideração as particularidades históricas e sociais da população negra e periférica no Brasil. Para que o sistema de justiça seja verdadeiramente inclusivo e respeite os direitos dessas comunidades, é necessário que se promova um tratamento igualitário para todos os indivíduos, independentemente da sua cor, classe ou local de moradia. A implementação de um modelo de justiça que desafie o racismo estrutural envolve, sobretudo, a descriminalização do uso e do comércio de cannabis, a revisão dos critérios para a aplicação das leis relacionadas às drogas e a promoção de políticas públicas de saúde mental que reconheçam a interseção entre racismo e sofrimento psíquico.


Conforme observado por Carvalho (2020), o racismo estrutural permeia toda a política de drogas no Brasil, com a criminalização das populações negras sendo um reflexo das desigualdades históricas que ainda persistem. A aplicação de um sistema de justiça mais justo, que leve em consideração os direitos humanos e a dignidade de todas as pessoas, deve começar pela descriminalização da cannabis e pela eliminação das punições desproporcionais que atingem, principalmente, os negros e as periferias.


8.2 Caminhos para a descriminalização: reflexões sobre a implementação de políticas de legalização que contemplem a reparação histórica


A descriminalização da cannabis no Brasil é um passo importante, mas, por si só, não é suficiente para corrigir as injustiças históricas que a criminalização causou nas comunidades negras e periféricas. Para que a legalização da cannabis seja verdadeiramente transformadora, ela deve ser acompanhada de políticas públicas de reparação histórica, que contemplem o reconhecimento das vidas perdidas e das consequências devastadoras da criminalização da cannabis sobre as famílias negras. Essas políticas podem incluir a compensação de danos financeiros para as vítimas de encarceramento em massa, o financiamento de programas de educação e saúde nas comunidades periféricas e a criação de oportunidades econômicas para aqueles que foram diretamente afetados pelas leis antidrogas.


Além disso, é necessário que o movimento negro e as lideranças periféricas sejam consultadas e envolvidas em todas as etapas do processo de legalização, garantindo que suas vozes e necessidades sejam ouvidas e atendidas. A legalização não pode ser uma solução que apenas beneficie uma pequena elite econômica, mas sim uma medida que promova o bem-estar coletivo e a justiça social. Conforme argumenta Silva (2019), a implementação de políticas públicas que envolvam a população negra na legalização da cannabis pode não apenas corrigir injustiças históricas, mas também fortalecer as comunidades ao fornecer um espaço para o desenvolvimento econômico e social sem as amarras da necropolítica.


8.3 Desafios do movimento negro na luta pela cannabis: a busca por igualdade no acesso e a construção de um futuro mais justo sem a necropolítica


O movimento negro brasileiro, embora tenha avançado em muitas frentes, ainda enfrenta grandes desafios na luta pela cannabis, principalmente pela resistência das estruturas institucionais e políticas que mantêm a criminalização e a exclusão das comunidades negras. A luta pela cannabis não é apenas uma questão de justiça criminal, mas também uma batalha contra a necropolítica, que visa perpetuar o controle e a destruição das comunidades periféricas negras. Nesse sentido, o movimento negro deve continuar a pressionar por uma mudança significativa nas políticas de drogas, buscando garantir não apenas a legalização, mas também a igualdade no acesso à cannabis medicinal e ao mercado de cannabis legal.


Além disso, a construção de um futuro mais justo depende da desconstrução do estigma racial que ainda envolve o uso de cannabis nas periferias. O racismo estrutural precisa ser combatido para que as comunidades negras e periféricas possam usufruir de seus direitos de maneira plena e sem discriminação. A resistência contínua das comunidades negras e periféricas é fundamental para que, no futuro, possamos alcançar uma sociedade mais igualitária, livre das amarras da necropolítica e da violência sistêmica.


Conclusão


Este artigo abordou as interseções entre racismo estrutural, políticas de drogas e a criminalização da cannabis no Brasil, destacando as implicações dessas questões para a população negra e periférica. A análise revelou que a guerra às drogas e a criminalização da cannabis afetam desproporcionalmente essas comunidades, intensificando desigualdades raciais, sociais e econômicas, além de contribuir para o aprofundamento de problemas de saúde mental nas populações mais marginalizadas.


A partir da reflexão sobre as barreiras sociais e raciais no acesso à saúde, foi possível identificar os desafios enfrentados por essas populações para ter acesso à cannabis medicinal e outras formas de tratamento alternativo. Além disso, o artigo evidenciou como o cultivo comunitário de cannabis nas periferias se constitui como uma ferramenta de resistência, permitindo às comunidades negras e periféricas não só a luta por justiça social, mas também por autonomia e liberdade, especialmente em um contexto de criminalização e exclusão.


A análise da legalização da cannabis revelou a necessidade de uma abordagem antirracista, que considere as especificidades da população negra e periférica, além de propor políticas públicas que envolvam reparação histórica e social. A questão da cannabis medicinal foi tratada não apenas como um tratamento de saúde, mas também como parte de um movimento de inclusão social, em que é essencial desconstruir as barreiras estruturais que ainda limitam o acesso a tratamentos e garantias de direitos para essas comunidades.


A crítica à seletividade do sistema penal brasileiro foi central para a discussão, evidenciando como a criminalização das drogas, especialmente da cannabis, contribui para o encarceramento em massa da população negra e periférica. Nesse contexto, a necropolítica, enquanto forma de controle e extermínio da população negra, foi analisada como um fator fundamental para entender a violência policial e a marginalização de corpos negros nas periferias e favelas do Brasil.


A saúde mental, especialmente nas comunidades negras e periféricas, foi destacada como uma área crítica que requer atenção. O artigo mostrou que, além de tratar dos aspectos clínicos da saúde mental, é fundamental reconhecer as raízes sociais e raciais das condições de saúde, incluindo os efeitos do racismo estrutural. O uso da cannabis medicinal, portanto, deve ser visto como uma alternativa terapêutica que deve ser acessível a todas as populações, respeitando as diferenças de classe, raça e gênero.


Por fim, o estudo propôs que, além da legalização da cannabis, é necessário repensar o sistema de justiça e de saúde no Brasil, promovendo políticas públicas que garantam direitos igualitários, reparação social e acesso inclusivo à saúde. A luta por cannabis, como parte de um movimento mais amplo por igualdade e justiça social, reflete a luta por um futuro mais justo, sem necropolítica e com garantias de direitos para todas as pessoas, especialmente as mais vulneráveis.


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