top of page
Buscar

Para adiar o fim do mundo

Foto do escritor: Vinicius Souza Fernandes da SilvaVinicius Souza Fernandes da Silva

Por Vinicius Souza Fernandes da Silva

Imagem: giz_br
Imagem: giz_br

Certa vez o rapper e compositor brasileiro Pedro Paulo Soares Pereira, conhecido internacionalmente como Mano Brown, um dos integrantes e a voz mais conhecida do Racionais Mc’s, um grupo de rap sonhado e realizado por quatro jovens negros das periferias de São Paulo na década de 1990, disse que mesmo frente a uma vida de ausências e faltas, você não está despossuído de tudo. Se uma pessoa tem planos, ela tem algo e sem isso, você está morto. A capacidade de imaginar o futuro, planeja-lo  e projetar a si e aos outros neste futuro, empenha a força motora para a vontade de viver. Importa, profundamente, imaginar o futuro. 


Viver para o futuro nos mantém vivos, organiza a nossa energia e empenha a sua força para fazer valer a nossa ação criadora sobre o mundo e mantém firme o incontornável caminho da ação humana. Essencialmente, a raça humana disputa a construção do futuro entre si, a partir da luta entre perspectivas de mundo. Esse percurso histórico é marcado pela violência, morte, invasão, revolta, resistência e muita luta. Mas o que ocorre quando perdemos a capacidade de vislumbrar um futuro possível? O que acontece quando a capacidade de senhor nos escapa entre os dedos escorrendo para fora das nossas mãos? 


Os últimos anos foram marcados por um estado constante de alerta e denúncias por parte da comunidade científica no mundo que apontam para o caminho sem volta da humanidade: no atual ritmo estamos seguindo, marchando, sem freios até o ponto de não retorno em relação ao clima. O objetivo da humanidade enquanto espécie é fazer parar o acelerado fluxo de aumento da temperatura da terra, que no ponto em que está já ocasiona inundações, derretimento de geleiras antigas, seca histórica e milhões de mortos. 


Segundo relatório publicado pelo Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas (C3S), o ano de 2024 foi o mais quente da história desde que a humanidade passou a registrar. O aumento da temperatura da terra foi de 1,6 grau Celsius acima da era pré-industrial. A COP21, ao celebrar o Acordo de Paris, havia determinado que 1,5 graus Celsius era o limite de aumento da temperatura global para evitar desastres climáticos. 


Esse aumento expressivo da temperatura global tem como consequência direta as calamidades climáticas ocorridas no Brasil e no mundo, com destaque para as enchentes do Rio Grande do Sul que deixaram mais de 180 mortos e mais de 600 mil pessoas desabrigadas, além de cidades destruídas. A temperatura da superfície do mar também cresceu, esse aumento ao longo tempo afeta a vida marinha e ameaça inundações que devem desaparecer com comunidades costeiras. Nessa velocidade de aumento da média da temperatura global, outras consequência a longo prazo são aterradoras: A expectativa do nordeste brasileiro ficar inabitável, o derretimento de calotas polares - que além de provocar pandemias de doenças desconhecidas, implica no aumento do nível do mar -, colapso do sistema da Amazônia, desaparecimento dos recifes de coral, secas históricas e insegurança alimentar. 


No momento, não existe futuro. Ele deve ser construído e para isso, é urgente o fim do capitalismo e de toda forma de produtivismo. É em nome do lucro, da exploração infinita de pessoas, seres e da natureza que o futuro está morrendo. O resultado da destruição do ecossistema é a concentração agressiva de riquezas nas mãos de um grupo de burgueses e bilionários que viverão uma vida de completo prazer e segurança, quanto a maior parte da humanidade sofre as consequência desse pacto hedonista das classes dominantes. 


Povos indígenas, originários e comunidades tradicionais morrem no Brasil e no mundo em nome da instrumentalização da terra para o lucro. O agronegócio brasileiro junto a burguesia mundial, segue destruindo o planeta, criando pasto, soja e boi. Nas periferias do mundo, os mais pobres, seguem sofrendo pelo calor, enchentes, falta de saneamento básico e recursos para enfrentar o fim do mundo. Tudo segue sendo privatizado, tudo que é essencial e quando é privatizado é destruindo. Das torneiras saem lama. As populações em situação de rua seguem morrendo pelo calor extremo, pelo frio impossível e a tempestade apocalíptica.


O futuro está liquidado pela produção de coisas inúteis e pelo lucro. O capitalismo é o destruidor de mundos. O bilionário é o anjo do apocalipse e o som das trombetas do fim são os alertas de enchentes. O ano de 2025 começou marcado pela materialização do inferno com chamas de 12 metros de altura e ventos de 160 km/h nos incêndios na Califórnia. Essa é a nossa missão histórica, adiar o fim do mundo. 


Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, o evento que mudou a capacidade humana de imaginar a morte, os Bolcheviques lutaram sob a palavra de ordem de “pão, terra e paz” e assim nasceu o processo revolucionário mais importante da história contemporânea. Continuamos lutando por pão, terra e paz. Continuamos lutando pelo pão, ameaçado pela crise climática que gera insegurança alimentar, pela terra que é destruída para se tornar rentável aos bilionários do mundo e pela paz que todos os dias é assassinada nos bombardeios em Gaza e nas operações nas favelas e periferias brasileiras. E o responsável pelas múltiplas ameaças à vida é o sistema econômico da exploração e do lucro infinitos. 


Pelo futuro da humanidade e do único mundo que temos, a missão histórica da nossa geração é adiar o fim do mundo. Neste ano, a COP30 vai ocorrer em Belém, capital do estado do Pará. A Amazônia será palco da COP decisiva sobre o nosso futuro. Salvar a humanidade e o mundo, esse é o maior desafio do nosso tempo. Derrotar o capitalismo e construir uma alternativa de mundo, uma forma outra de produzir e se relacionar com a vida. Esse é o nosso desafio e, conforme um dos maiores pensadores da história, Frantz Fanon, aqueles que não fazem frente aos desafios do seu tempo são, de alguma forma, traidores. Temos o dever de não trair a humanidade. 


O ano de 2025 é o ano que vamos adiar o fim do mundo.


*Vinicius Souza Fernandes da Silva é historiador, cientista social, especialista em Direitos Humanos e Lutas Sociais. Editor e articulista da Clio Operária, estuda e escreve sobre os temas da filosofia política e história social brasileira. Tradutor e curador do livro “Há uma Revolução Mundial em andamento: discursos de Malcolm X” (LavraPalavra).


Комментарии


bottom of page