Estudar, Jejuar, Treinar, Lutar: As origens do Agosto Negro
- Clio Operária
- 17 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 18 de jul.
Tradução por Moiza
Em agosto de 1619, africanos escravizados pisaram pela primeira vez no primeiro assentamento inglês no que hoje é chamado de Estados Unidos. Os séculos seguintes testemunharam o desenvolvimento de um sistema e visão racial muito violento, extrativo e profundamente enraizado, muito mais do que qualquer outro na história da humanidade. Entretanto, onde há opressão, há resistência. Desde 1619, radicais e revolucionários negros têm realizado ações coletivas ousadas em busca de sua liberdade, ameaçando as fundações da exploração sobre as quais os Estados Unidos foram erguidos. Essas lutas heróicas conquistaram vitórias tremendas, mas também produziram mártires — heróis presos e assassinados por seus esforços de transformar a sociedade.
“Agosto Negro” é celebrado todo ano para homenagear os combatentes caídos do Movimento de Libertação Negra, exigir a libertação de prisioneiros políticos nos EUA, condenar as condições opressoras das prisões norte-americanas e enfatizar a importância contínua da luta pela Libertação Negra. Os observantes de Agosto Negro comprometem-se com níveis mais elevados de disciplina ao longo do mês. Isso pode incluir jejum de alimentos e líquidos, exercícios físicos frequentes, estudo político e engajamento na luta política. Em resumo, os princípios do Agosto Negro são: “estudar, jejuar, treinar, lutar.” (A)
George Jackson e as origens do Agosto Negro
George Jackson foi Marechal de Campo do Partido das Panteras Negras enquanto estava encarcerado na Prisão de San Quentin, na Califórnia. Jackson era um revolucionário influente, e seu assassinato pelas mãos de um guarda prisional de San Quentin foi um dos principais catalisadores para o surgimento do Agosto Negro.
Condenado aos 19 anos por assalto à mão armada, em 1961 Jackson recebeu uma pena de “1-to-life”, o que dava aos administradores do presídio controle total e arbitrário sobre a duração de sua sentença. Ele nunca mais viveu fora de uma prisão, passando os próximos 11 anos atrás das grades (sete anos e meio em confinamento solitário). Durante esse período, apesar do ambiente de racismo extremo, repressão e controle estatal, o fogo político de Jackson foi inflamado, e ele se tornou inspiração para outros revolucionários de sua geração.
Jackson teve seu primeiro contato com a política radical pelo colega de cela W.L. Nolen. Sob orientação de Nolen, estudou obras de Marx, Lenin, Mao Tsé-Tung e Frantz Fanon. Juntos, Nolen, Jackson e outros presos dedicaram-se a elevar a consciência política no sistema prisional da Califórnia. Lideraram sessões de estudo de filosofia radical e criaram grupos como a Coalizão do Terceiro Mundo, além de fundar a seção prisional das Panteras Negras em San Quentin. Jackson chegou a publicar dois livros amplamente lidos enquanto encarcerado: Soledad Brother e Blood in My Eye
Infelizmente, como era previsível, esses organizadores logo viraram alvo da burocracia prisional da Califórnia. Em 1970, W.L. Nolen, transferido para a Prisão de Soledad e prestes a processar seu superintendente, foi assassinado por um guarda. Dias depois, Jackson (também em Soledad) e os companheiros de luta Fleeta Drumgo e John Clutchette foram acusados de matar outro guarda em retaliação. Conhecidos como os “Irmãos de Soledad”, foram julgados e se tornaram mártires de uma causa maior. Naquele mesmo ano, quando ficou clara a impossibilidade de Jackson obter liberdade, seu irmão de 17 anos, Jonathan Jackson, liderou um ataque armado ao Tribunal do Condado de Marin para exigir a libertação imediata dos Irmãos de Soledad. Jonathan contou com James McClain, William Christmas e Ruchell Magee. Jonathan, McClain e Christmas foram mortos, enquanto Magee foi ferido e preso novamente. Magee se tornaria um dos mais longos prisioneiros políticos do mundo, sendo libertado apenas em 2023, ano em que faleceu.
Em 21 de agosto de 1971, pouco mais de um ano após o ataque ao tribunal, Jackson foi assassinado por um guarda de San Quentin. As circunstâncias permanecem controversas: autoridades afirmam que Jackson tentou fugir com uma arma contrabandeada, mas James Baldwin declarou: “nenhum negro acreditará que George Jackson morreu da forma como nos contam” [1]. Embora o debate persista, duas certezas se mantêm: sua morte foi um assassinato político e seu legado revolucionário é indestrutível. Graças aos sacrifícios de George e Jonathan Jackson, Nolen, McClain, Christmas, Magee e tantos outros, a década de 1970 foi marcada por intensa organização e luta política dentro das prisões. Presos exigiram fim do tratamento racista e violento, melhores condições de vida, acesso à educação e atendimento médico adequado. As táticas incluíram processos judiciais, greves e rebeliões em massa, destaque para a Rebelião de Attica, em setembro de 1971 [2].
Políticos prisioneiros e a luta carcerária
Os observantes do Agosto Negro exigem a libertação imediata de todos os prisioneiros políticos nos EUA. Embora o governo tente ocultar essa realidade, dezenas de radicais das Panteras Negras, Exército de Libertação Negra, Movimento Indígena Americano e MOVE estão presos há décadas por sua militância. Como observa Angela Davis: “há diferença entre violar a lei por interesse individual e fazê-lo em interesse de uma classe oprimida... o primeiro é chamado de crime, o segundo, de ato revolucionário” [3] As prisões nos EUA servem como instrumento de controle social para manter o sistema capitalista e racista. Com a automação e a desindustrialização, massas de trabalhadores — especialmente negros, latinos e indígenas — tornaram-se descartáveis. Davis já alertava em 1971: presos dessas comunidades são cada vez mais conscientes de que são prisioneiros políticos [4]. Por isso, Agosto Negro vincula a libertação de prisioneiros revolucionários à luta contra o encarceramento em massa.
Jackson escreveu em Blood in My Eye que “é preciso alcançar os presos e fazê-los entender que são vítimas da injustiça social... o volume e as condições da classe prisional fazem dela um poderoso reservatório de potencial revolucionário” [5]. Sua própria trajetória ilustra isso: de apolítico e acusado de pequenos delitos, transformou-se num líder revolucionário graças ao apoio de camaradas. Hoje, Agosto Negro carrega o peso da luta negra desde 1619. Nat Turner liderou sua revolta em agosto de 1831. A Marcha em Washington e a Rebelião de Watts ocorreram em agosto na década de 1960. Mais recentemente, casos de violência policial contra John Crawford, Michael Brown (2014) e Korryn Gaines (2016) em agosto avivaram a resistência. Em 21 de agosto de 2018, no 47º aniversário da morte de Jackson, milhares de presos dos EUA iniciaram uma greve nacional, exigindo melhores condições até 9 de setembro — data que também marca o fim da Rebelião de Attica [6]. Cada episódio reforça uma verdade central da tradição radical negra: não há liberdade no sistema capitalista e racista. Agosto Negro, desde sua origem em San Quentin, é parte indissociável dessa luta. No momento político atual, quando se busca enterrar a radicalidade em nome de reformas e celebridades, Agosto Negro lembra que nossa libertação não está nas mãos de bilionários, policiais negros ou políticos do Partido Democrata. A liberdade negra é obra das massas organizadas. Estude, treine, lute e, nas palavras de George Jackson, “descubra sua humanidade e seu amor pela revolução” [6]
Referências
[A] (Nota do tradutor) É interessante notar que o jejuar está presente muito influenciado pelo monoteísmo judaico cristão. James Baldwin, no livro “Da próxima vez fogo” em uma de suas cartas, esboça um panorama histórico do Harlem, onde a presença do cristianismo era forte e do Islã ascendente. Assim, não podendo analisar ambos separadamente, pois a igreja: “era uma máscara para o ódio, o auto-ódio e o desespero” e as pessoas negras de fé viam no Islã uma religião de salvação, que não fazia parte do arcabouço dos colonizadores e, portanto, podiam ingressar para buscar a salvação. Logo, começa a surgir dentro do Islã vertentes negras.
[1] James Baldwin, citado em George Jackson, Soledad Brother: The Prison Letters of George Jackson (New York: Lawrence Hill Books, 1994), p. x.
[2] Liberation School, “Attica: The Making and Significance of a Heroic Prison Uprising,” Liberation School, 03 de julho de 2013.
[3] Angela Davis, “Political Prisoners, Prisons, and Black Liberation,” em Imprisoned Intellectuals: America’s Political Prisoners Write on Life, Liberation, and Rebellion, ed. J. James (Lanham: Rowman & Littlefield, 2003), pp. 65-66.
[4] Ibid., p. 71.
[5] George L. Jackson, Blood in My Eye (Random House: New York, 1972), p. 108.
[6] Jackson, Soledad Brother, p. xxv
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