Entre baleias e portos: O eterno retorno da totalidade
- Professor Poiato
- 20 de jun.
- 3 min de leitura
Por William Poiato
No meio do Pacífico, uma baleia jubarte fêmea mergulha nas águas geladas da Califórnia, alimentando-se de krill para acumular gordura. Em alguns meses, ela percorrerá 5.200 km até a Costa Rica, onde dará à luz um filhote que nunca conhecerá as águas ricas em alimento do norte. Enquanto isso, em um porto distante, um trabalhador terceirizado descarrega containers sob o sol equatorial, seu salário insuficiente para comprar os produtos que transporta — peixes industrializados, óleo de palma, minérios para celulares. Dois ciclos migratórios, duas faces da mesma crise: a desconexão entre sobrevivência e sustento em um planeta moldado por forças maiores que seus habitantes.
A ecologia das jubartes e a economia humana parecem mundos apartados, mas ambas revelam sistemas onde os mais fracos pagam o preço da exploração desenfreada. Enquanto as baleias enfrentam rotas migratórias interrompidas por navios e poluição, os trabalhadores do capitalismo global navegam um mar de empregos precários, onde a flexibilidade substitui a segurança. Este artigo explora o paradoxo: como duas espécies — uma animal, outra cultural — enfrentam crises paralelas de deslocamento e desigualdade, e o que suas histórias revelam sobre o colapso socioambiental do Antropoceno.
Migrações Forçadas: da gordura ao salário mínimo
As jubartes operam em um sistema de leks flutuantes, onde machos competem por fêmeas em águas tropicais sem territórios fixos - um ringue móvel no Oceano-, gastando energia preciosa em cantos e confrontos. É um jogo de aparências: quem demonstra maior vigor físico ganha o direito à reprodução. Na economia humana, o neoliberalismo criou seu próprio lek global. Trabalhadores de países periféricos disputam empregos em condições cada vez mais precárias, enquanto corporações como o Wal-Mart — o "macho alfa" do capitalismo flexível — impõe salários que mal cobrem a subsistência.
A ecologia reprodutiva das jubartes exige migrações épicas para garantir a sobrevivência dos filhotes; a economia global exige migrações humanas igualmente brutais. Na América Latina, 44% da população vive abaixo da linha da pobreza, e milhões deixam seus países em busca de trabalho temporário, tão instável quanto os grupos de alimentação das baleias. A diferença? Enquanto as jubartes evoluíram para otimizar energia, os humanos criaram um sistema que desperdiça vidas.
O mito do crescimento infinito é um oceano finito
As jubartes entendem, instintivamente, o que o capitalismo ignora: recursos têm limites. Seus corpos acumulam gordura no verão polar porque sabem que, no inverno tropical, não haverá alimento. Já a economia global age como um filhote faminto — consome hoje o que deveria guardar para amanhã. A "economia do conhecimento", que prometia prosperidade, tornou-se uma armadilha: enquanto exige trabalhadores qualificados, precariza seus empregos e reduz salários.
Os estudos mostram jubartes conectando ecossistemas distantes, revelando que sua sobrevivência depende da saúde do todo, ao mesmo tempo que o alimenta. Já o capitalismo fragmenta: extrai óleo da Amazônia, enche os mares de plástico e depois terceiriza a culpa. Os mesmos navios que cortam rotas migratórias de baleias são os que transportam produtos feitos por mãos exploradas. A ironia é cruel: enquanto as jubartes são protegidas por acordos internacionais, os trabalhadores que sustentam a logística global não têm sequer direitos trabalhistas garantidos. A lei, a ordem e a racionalidade travestem a balbúrdia, desordem e caos inconsequente em escala global.
Um canto de alerta e duas crises
No oceano, o canto das jubartes macho é um sinal de vigor, uma promessa de sobrevivência genética. Na economia global, o único canto que ecoa é o do lucro imediato — mesmo que isso signifique esgotar oceanos, florestas e vidas humanas. Ambos hoje se reproduzem a duras penas, capital e natureza se esvaem.
E se a saída estiver justamente na lição das jubartes? Seu sucesso evolutivo está em integrar, não em fragmentar. Proteger seu ciclo migratório exige pensar o oceano como um sistema interligado; resolver a crise social exige ver a economia da mesma forma, una, sona, natural e cultural. A pergunta que fica não é científica, mas política:
Quanto tempo levará para que os humanos aprendam o que as baleias já sabem — que nenhuma espécie sobrevive explorando indefinidamente o próprio habitat?
Enquanto isso, a jubarte continua sua jornada, ignorando fronteiras nacionais e crises humanas. Seu maior perigo não é a falta de alimento, mas nossa incapacidade de enxergar que, no oceano do capitalismo, todos estamos no mesmo barco — e ele está afundando.
SE VOCÊ CURTIU, TALVEZ SE INTERESSE POR ESTE VÍDEO: https://youtu.be/GP2YrtWBk8E?si=nruVeV3rqTl7Mv4f
REFERÊNCIAS:
CLAPHAM, Phillip J. The social and reproductive biology of humpback whales: an ecological perspective. Mammal Review, v. 26, n. 1, p. 27-49, 1996.
STEIGER, Gretchen H. et al. Movement of humpback whales between California and Costa Rica. Marine Mammal Science, v. 7, n. 3, p. 306-310, 1991.
DUPAS, Gilberto. Pobreza, desigualdade e trabalho no Capitalismo Global. Nueva sociedad, n. 215, 2008.




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