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Brasil Paralelo #1: Marxismo

Foto do escritor: Rafael Maranhão TorresRafael Maranhão Torres
Catálogo da Brasil Paralelo
Catálogo da Brasil Paralelo

Por Rafael Maranhão*


A Clio Operária retoma suas atividades em 2025 e por ser meu primeiro texto neste ano, desejo a todos um ótimo ano, que seja de vitórias para a classe trabalhadora!


Durante esse recesso da Clio Operária estive refletindo sobre qual seria o meu tema de estreia, e me deparei com o crescimento desproporcional da Brasil Paralelo. Essencialmente, se trata de uma produtora audiovisual, mas que é ligada a figuras como Olavo de Carvalho e reivindica abertamente o legado monárquico que supostamente foi roubado dos descendentes da família real. Além disso, também buscou inspiração no Mises Brasil, um instituto ultraliberal. Segundo consta em seu site, a missão da BP (Brasil Paralelo) é: “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”, utilizando a mesma argumentação que o camarada Ian Neves demonstrou em seu vídeo A TÁTICA DO BRASIL PARALELO | Cortes do História Pública[1], se a missão da Brasil Paralelo é reviver esses valores, significa que foram perdidos, portanto devemos apresentar a interrogação: resgatar qual momento da história brasileira? A escravidão? A ditadura?


O modo operativo da Brasil Paralelo é o revisionismo histórico. Buscam uma verdade escondida atrás da História e dos processos que formam a contemporaneidade. Também se colocam como “uma fonte sem viés ideológico”, como se isso fosse possível. Em 2023, a exemplificar o conteúdo da produtora, publicou um artigo questionando a história de Maria da Penha (que através da tentativa de assassinato que sofreu pelo ex-marido dá nome a lei que protege mulheres contra a violência) e apresenta a visão do seu agressor, questionando a veridicidade dos fatos[2].


Busquei melhor sobre seus conteúdos e me deparei com uma série de seis vídeos em seu canal do YouTube sobre “O marxismo de Marx”, e o primeiro deles é intitulado de “A história do comunismo”[3]. Neste vídeo, o narrador diz que no começo do século XIX as revoltas operárias eclodiram após as revoluções burguesas do século XVII e XVIII, esses operários se dividiam entre os que queriam reformar o capitalismo para que fosse mais justo aos que o operam, e os comunistas. Nesse ponto, a produtora erra ao afirmar que os trabalhadores estavam organizados por serem comunistas, na verdade a principal forma organizacional no início do século XIX eram os sindicatos.


Já ao abordar Marx, é preciso compreender que há um caminho percorrido até chegar ao Materialismo Histórico-Dialético, e é impossível apreender o marxismo sem ter as três frentes em horizonte. Inicialmente ele era um jovem hegeliano, portanto, um idealista em sua gênese como intelectual, e quanto a isso não havia nenhuma contradição histórica, pois os hegelianos eram a corrente filosófica mais presente na Europa, principalmente se pensarmos que, neste momento (início da década de 1840), Hegel havia falecido há pouco. Em 1841 algo muda o jovem filósofo. O Parlamento alemão acata um pedido de lei da burguesia nacional e proíbe o ato de recolher madeira em florestas ou terras alheias, o jovem Marx decide então produzir um artigo assumindo o lado dos camponeses. Isso o faz enxergar a contradição entre seu posicionamento e os jovens hegelianos. 


“Marx fica intrigado porque está preso ao universo dos jovens hegelianos, que depositavam no Estado a figura de demiurgo da sociabilidade. Ainda estava alinhado ao idealismo ativo, que concebia a forma estatal em sua universalidade, racionalidade e espaço de liberdade, diante das contradições sociais que surgiam em solo prussiano” (FILHO, p. 33). 

Possivelmente é nesse momento histórico que Marx compreendeu a defesa da propriedade privada pelo Estado, o papel deste não enquanto universalização da consciência das massas, mas defensor de interesses específicos. Ele então começa o processo de ruptura radical com os jovens hegelianos após compreender que a história não avançou depois do desenvolvimento de uma autoconsciência humana. Entretanto, a BP também ignora a importância de outro pensador para o processo de formação madura de Marx: Feuerbach. Ele foi o primeiro hegeliano a romper com a doutrina filosófica idealista e acusar o hegelianismo de ser, em última instância, apoio da teologia. Acusa os jovens idealistas de estarem atados a religião de suas filosofias e adverte que Deus é a criação e projeção das qualidades humanas que nunca foram alcançadas, e logo se pergunta como pode uma criação imaterial criar um ser material? Mas, estaciona aqui. Marx, ao olhar o produto não trabalhado por Feuerbach, salta qualitativamente e aplica o método na história das sociedades, por isso “Materialismo” é a primeira palavra do pensamento marxiano, que recebeu críticas de um dos entrevistados pela BP neste documentário, acusando o filósofo alemão de reducionista, o que é simplesmente irrisório, pois o Materialismo é uma ciência; o Idealismo nada mais é do que aporte filosófico dos coachs


Sobre o Idealismo: 

“[...] Por outro lado, em Hegel, o trabalho é visto com uma afirmação positiva – e é muito interessante quando descreve um moinho que está a girar suas pás com a água do rio, observado de longe pelos trabalhadores que o construíram; porém, Hegel afirma se tratar de um engano, pois o moinho é uma produção do espírito, um trabalho da atividade ideal, histórico, que não foi executado apenas naquele momento” (FILHO, p. 37).

Como observamos, os idealistas, como Hegel e a pessoa que fez a crítica à Marx no documentário, ignoram o processo de venda da força de trabalho humana para a produção. 

Ainda nesta mesma série de vídeos, a sensação ao assistir é de que nitidamente tentaram retirar de Marx e Engels os créditos pelo desenvolvimento da teoria socialista e comunista. Mas a história está aqui para nos servir. A todo momento a BP mostra que o comunismo já era amplamente difundido entre os trabalhadores, como se fosse uma teoria da espontaneidade das massas do século XIX, o que não corresponde à verdade – como já dito, os principais modos de organização dos trabalhadores eram os sindicatos. A partir das Revoluções burguesas dos séculos XVI e XVII, nasce a corrente filosófica do Socialismo Utópico, que critica todas as bases da sociabilidade: religião, ciência, governo foram submetidos ao jugo da razão sob figuras como Saint-Simon[4], mas a crítica também, assim como em Feuerbach, não avança, e não é proposto a ruptura radical das bases para com quem prende seus grilhões. O reino da razão dos séculos XVI, XVII e XVIII era o reino burguês, onde a Justiça religiosa se uniu na Justiça burguesa; a igualdade perante essa lei era a de livre concorrência e livre contrato, o direito era o direito de propriedade privada. Robert Owen, ao lado de Saint-Simon, fez duras críticas aos privilégios de classe, antes mesmo de Marx e Engels, mas não bastava abolir os privilégios, era necessário abolir a sociedade de classes[5], por isso o trabalho dos dois filósofos, não a toa chamados de “pais do comunismo”, é de fato um marco na economia-política, filosofia, sociologia, história etc. 

Por ora não irei me debruçar apenas no conteúdo raso e revisionista da série de vídeos, mas pretendo retomá-lo em outro texto. Entretanto, para além disso, a BP também produz artigos em seu site, separados por temáticas como Aborto, Ciências Políticas, Economia etc e dentre esses artigos, um em questão carrega o tema, intitulado “Foice e o martelo: conheça a história do símbolo comunista e a sua importância para o movimento”[6] e procura escrever a história do símbolo e do comunismo, tudo isso em 6 minutos de leitura!


A BP diz que “O comunismo é uma teoria socioeconômica criada por Karl Marx e Engels” e continua, para “acabar com a opressão dos burgueses contra os proletários, trazendo justiça e paz ao mundo. A teoria comunista defende que a sociedade ideal aboliria a propriedade privada e o Estado, igualando toda a população e as tradições burguesas, como família e religião”. Seus conteúdos não se conversam, tendo em mente que, em seu documentário, tentam retirar de Marx e Engels a credibilidade e relevância, e agora os creditam como criadores da teoria comunista. Por propriedade privada a produtora, em outro artigo[7], comete o deslize intencional de definir o termo pelo senso comum; propriedade privada não é o carro ou o celular que você possui, mas os meios de produção privados: é a Vale, o Itaú, o Bradesco, a Apple etc. Prosseguem alegando que o direito à propriedade privada (no caso do artigo, a casa ou o carro) é inalienável, mas até que ponto a universalização da propriedade privada – pelo senso comum – é realmente universal? Ainda prosseguindo com o artigo, referem-se a esse direito como limitável, o que significa que se ele for ilimitado atingirá o direito de outro, o alheio, mas o capitalismo é um sistema expansivo que visa o lucro ilimitado e o recrudescimento do direito alheio. É impossível defender o capitalismo sem cair em contradição. Mas voltando ao significado de comunismo atribuído pela BP, sintetizam os ideais comunistas em: 


  • instituição de uma sociedade igualitária, ou seja, sem subordinação a classes superiores;

  • fim da propriedade privada e do capitalismo;

  • fim da religião e dos conceitos morais clássicos, buscando instaurar um Paraíso amoral na Terra, afirma o PhD em História Andrei Znamenski, que viveu parte da sua vida na União Soviética;

  • fim da família, levando os bebês a serem criados por toda a sociedade.


O primeiro tópico fala sobre concretizar uma sociedade igual, que não haja hierarquização de classes, e isso pode ser interpretado de várias formas. Há alguns anos uma fake news ganhou corpo no Ocidente sobre o governo norte-coreano obrigar os cidadãos a utilizarem o mesmo corte de cabelo que Kim Jong-un, então poderíamos interpretar que a BP diz que o projeto comunista é tornar todos os cidadãos iguais em vestimentas, já que não entendem por igualdade o conceito em sua totalidade. Também reconhecem dessa forma por parte do autor que o capitalismo é desigual, mais uma vez caindo em contradição. 


O segundo tópico, que fala sobre a abolição da propriedade privada, de maneira proposital está falando sobre tomar os carros das pessoas, literalmente. 


O terceiro tópico é curioso. As revoluções burguesas instauraram uma nova governabilidade, retirando da aristocracia feudal a coroa de escolhidos divinos, arrebentando as relações sociais existentes até então, que permitiam a legislação e execução serem manuseadas pela Igreja; não foram os comunistas que retiraram a igreja e a religião do poder político, foram os burgueses. 


De fato, Engels critica a família burguesa em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, mas não há nenhuma afirmação de que os comunistas tomariam os filhos de seus pais para serem criados pela comunidade, como afirma o quarto tópico. Engels faz a crítica da família burguesa porque é ela que perpetua a escravidão doméstica da mulher que ao sair de casa não tem tempo para os afazeres domésticos – trabalho que o machismo marca como sendo da mulher – e ao ficar em casa jamais conquista qualquer independência em relação ao seu marido. Nítido o despreparo e a desonestidade intelectual ao produzir um artigo sobre comunismo sem levar em conta a produção teórica e prática de mais de um século. 


Já em outro artigo[8], afirmam que Marx e Engels nunca provaram a teoria de que houveram sociedades comunais antes da existência do aparelho estatal e da propriedade privada, o que é facilmente desmentido quando lemos a obra de Engels citada anteriormente, que realizou um estudo antropológico e historiográfico em regiões específicas fora da Europa, como a Austrália. Ainda prosseguem entrevistando um professor da Universidade de Cambridge chamado Simon Montefiore, que chama Lenin, Stalin e Trotsky de genocidas, pois, segundo ele, acreditavam que para instaurar o socialismo precisariam matar aos montes. Não irei estender a discussão sobre o processo revolucionário e o uso da violência, essa é uma questão para outro momento, por ora acredito que tenha ficado claro o objetivo da Brasil Paralelo de reescrever a história como bem entendem, de forma que distorcem processos inteiros para promover o discurso de resgate de um bem maior perdido outrora. 


Ainda iremos falar muito da Brasil Paralelo esse ano. 


 

*Rafael é historiador de formação e pós-graduando em Serviço Social, Ética e Direitos Humanos, educador e comunicador popular, militante com atuação no movimento de moradia, e pesquisador sobre Neoliberalismo. 





[4] – Introdução de “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, da editora Edipro.


[5] – Do contrato social ao socialismo, Engels. 





Referências bibliográficas


ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo, SP: Edipro, 2023. 


NETTO, José Paulo (org). Curso livre Marx-Engels, a criação destruidora. São Paulo, SP:  Boitempo, 2015.


Marx, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, SP: Lafonte, 2018.  


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