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Em defesa dos serviços públicos: a Reforma Administrativa e o desmonte do Estado

Por Ricardo Normanha*


Nesse Dia do(a) Servidor(a) Público(a), mais um flanco de lutas se reforça com a proposta de Reforma Administrativa (PEC 38/2025), que avança rapidamente no Congresso Nacional. Anunciada sob a égide da “modernização do Estado” e do “ajuste fiscal”, quando submetida a uma análise crítica — amparada por especialistas, entidades de classe e movimentos sociais —, revela-se um projeto profundamente ideológico que visa desmontar os serviços públicos, precarizando vínculos funcionais e implodindo direitos históricos da população, tudo isso sob o discurso de aumentar a eficiência do Estado. Trata-se de um ataque frontal à noção de um Estado provedor de direitos sociais.


O cerne da crítica reside na criação de um regime jurídico único para os novos servidores, que substitui a estabilidade — pilar do funcionalismo público — por vínculos precários, instituindo “contratos por tempo determinado” e “regimes de experiência” prolongados. Em outras palavras, possibilita-se a conformação de um funcionalismo de segunda classe, sem perspectivas de carreira e sujeito à demissão sumária. É a instabilidade como projeto.

A estabilidade, muitas vezes caracterizada como “privilégio”, é uma garantia fundamental para que o servidor possa exercer suas funções com autonomia técnica, seguindo os preceitos da burocracia de Estado e minimizando atuações em benefício de interesses privados ou de influências políticas.


É claro que, compreendendo o Estado como produto da impossibilidade de conciliação entre classes antagônicas — como aponta a leitura marxiana [1] e marxista [2] —, não é possível nutrir ilusões acerca da imparcialidade total da burocracia estatal. Em última instância, conforme Marx e Engels no Manifesto, o Estado é “um comitê para administrar os negócios coletivos de toda a classe burguesa” [3]. No entanto, desde a constituição do Estado burguês na modernidade capitalista, a luta social e popular encontrou, nas brechas da institucionalidade, possibilidades de enfrentamento no sentido de garantir direitos à classe trabalhadora e de travar batalhas pela disputa de hegemonia — para usar a elaboração de Gramsci. Nesse sentido, a luta pela garantia de serviços públicos de qualidade para o povo inscreve-se em uma luta mais ampla da classe trabalhadora e não deve ser considerada apenas como um fim em si mesma.


Assim, a crítica à Reforma Administrativa em pauta aponta para impactos que transcendem os muros dos órgãos públicos, atingindo diretamente a qualidade dos serviços prestados à sociedade. A insegurança jurídica e a alta rotatividade de profissionais inviabilizam a continuidade de políticas públicas essenciais. Saúde, educação, segurança, assistência social e fiscalização ambiental serão drasticamente afetadas. Como construir um SUS robusto ou uma educação pública de qualidade com profissionais constantemente ameaçados de demissão e sem um plano de carreira que valorize seu trabalho?


A proposta em quase nada difere daquela apresentada durante o governo Bolsonaro e afirma-se como continuidade da agenda de desmonte do Estado engendrada desde os anos 1990 no Brasil. A mobilização de diversos setores da sociedade — em especial sindicatos e associações de classe de servidores — contra a reforma torna evidente que a proposta é, na melhor das hipóteses, contraditória, e que a população precisa participar ativamente desse processo. A defesa dos serviços públicos é, em última instância, a defesa da Constituição de 1988 e do pacto social que garante direitos básicos. A reforma em curso inverte essa lógica: em nome da eficiência econômica, sacrifica-se a soberania nacional, a capacidade de planejamento estatal de longo prazo e a própria dignidade do trabalho.


Portanto, a proposta de Reforma Administrativa, embora se apresente como um ajuste técnico, é uma escolha política. É a escolha por um Estado que não serve, não planeja e não protege. É a renúncia ao interesse público em favor de uma lógica mercantil que vê nos serviços essenciais um custo a ser cortado e, nos servidores, um obstáculo a ser removido. Rejeitar esta reforma é defender o funcionalismo público e lutar por um projeto de país em que o Estado cumpra seu papel de promotor e garantidor de direitos sociais. O futuro dos serviços públicos — e, consequentemente, da qualidade de vida no Brasil — depende da resistência a este desmonte.


MOBILIZAÇÃO EM BRASÍLIA


No dia 29/10, quarta-feira, Servidores(as) Públicos de todo o Brasil se mobilizarão contra a PEC 38/2025. A Marcha Nacional Unificada será em Brasília, com concentração às 9h em frente ao Museu Nacional da República.


Haverão outros atos pelo Brasil, procure pelo da sua cidade.

[1] Em Marx e Engels, embora não haja um estudo sistemático cristalizando uma Teoria do Estado, é possível identificar diversos trechos de suas obras em que há uma elaboração sobre a natureza do Estado nas sociedades de classes, como por exemplo em A origem da Família, do Estado e da propriedade privada, de Engels, O 18 Brumário de Louis Bonaparte, de Marx e no Manifesto do Partido Comunista, de ambos.


[2] Já em outros autores da tradição marxista, é possível identificar a formulação de uma Teoria do Estado em Lênin, na obra O Estado e a Revolução, Nicos Poulantzas, na obra O Estado, o poder e o socialismo, entre outros. 


[3] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. [Prólogo de José Paulo Netto]. São Paulo: Cortez, 1998.


Referências



DUTRA, Júlio. Impactos Negativos da Reforma Administrativa: Uma Análise Crítica. DAPIBGE. Rio de Janeiro: Out. 2025.


Reforma Administrativa: A farsa para desmontar o Estado e implodir direitos. Sindicato dos Bancários. São Paulo: Out. 2025.


Reforma Administrativa com ataques piores que da PEC 32/20 avança na Câmara. ANDES - Sindicato Nacional. Brasília: Out. 2025.

* Ricardo Normanha é pai, sociólogo, professor e pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Ciências Sociais na Educação da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Diferenciação Sociocultural (GEPEDISC).

 
 
 

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