Colapso climático, chup-chup e o real do problema
- Clio Operária
- 19 de mar.
- 3 min de leitura
Por Zé Floresta (José Enio)

Hoje eu vi nas redes sociais uma imagem curiosa: um congelador desses de geladeira lotado de chup-chup (ou geladinho), acompanhada da legenda — “Minha mãe combatendo a crise climática.”
A ideia é divertida, claro, e ninguém pode julgar quem busca formas criativas para lidar com o calor absurdo que estamos vivendo. Mas esse pequeno gesto doméstico diz muito sobre a forma como encaramos — ou evitamos encarar — a gravidade da situação em que estamos.
O ponto central é simples: o que estamos vivendo não é uma crise, dessas que passam e logo depois a vida volta ao normal. O que estamos atravessando é um colapso climático em, uma transformação profunda e acelerada do clima do planeta, causada principalmente por um modelo econômico que trata a natureza como fonte infinita de lucro. Esse colapso não é uma surpresa ou um acidente de percurso, é uma consequência direta de décadas de destruição sistemática de florestas, da queima de combustíveis fósseis e de uma forma de produzir e consumir que não respeita limites ecológicos para falar o mínimo.
Adaptação pontual não pode ser confundida com uma solução real para o que está provocando esse calor insuportável. A origem dessa onda de calor está na destruição dos ecossistemas que regulam o clima e na emissão desenfreada de gases de efeito estufa. Esse é o tamanho real do problema.
Essa inversão de foco — estimular pequenas ações individuais enquanto se esconde a responsabilidade estrutural de empresas e governos — é uma estratégia antiga e conveniente. Há anos ouvimos que devemos “fazer nossa parte”, “fechar a torneira” e “fazer xixi no banho”, enquanto a destruição é conduzida em escala industrial. Essa lógica é perigosa porque individualiza um problema coletivo e global, desviando nossa atenção do que realmente precisa ser feito: mudanças profundas nas bases do sistema econômico, na forma como produzimos energia, comida e bens de consumo.
E, sim, adaptar-se é necessário. Criar formas de refrescar a casa, proteger crianças e idosos, cuidar da saúde em temperaturas recordes — tudo isso é fundamental. Mas adaptação e transformação estrutural não podem se misturar na hora de entender o problema. Estamos vivendo um colapso climático, e não uma simples crise passageira.
Colapso porque as mudanças já estão acontecendo e muitas delas são irreversíveis. A nova realidade climática, marcada por extremos cada vez mais frequentes e intensos, ameaça nossa segurança alimentar, nossa saúde pública, nossa economia e nossa própria sobrevivência.
Quando chamamos as coisas pelo nome certo, a conversa muda. Não se trata de atacar quem congela chup-chup para driblar o calor. Isso é legítimo e necessário. Mas a verdadeira discussão é sobre como pressionamos por mudanças estruturais: reflorestar territórios destruídos, abandonar o uso de carvão e petróleo, transformar radicalmente os modos de produção, proteger territórios indígenas e quilombolas — os maiores guardiões das florestas.
Se não encararmos essa transformação profunda agora, nem todos os congeladores lotados de chup-chup do mundo darão conta do que está por vir. Curtir um geladinho para aliviar o calor não é o problema — desde que isso não nos distraia da tarefa coletiva urgente de mudar o rumo da história. Porque o colapso climático já começou, e só uma transformação profunda e coletiva pode freá-lo.
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