top of page
Buscar

As Estratégias de Libertação da FPLP

Foto do escritor: Giovanna CarlosGiovanna Carlos

Por Giovanna Braga



A Introdução (por Giovanna)

Eventos históricos não acontecem de maneira isolada no espaço-tempo. Uma “Questão" não resolvida perdura em tensões que passam de geração para geração, como uma reação em cadeia. Em “resolver” podemos desenvolver uma outra discussão gigante sobre reparação, memória, verdade, justiça, mas isso não cabe aqui por enquanto.


Este é um dos pontos de partida para entender a Questão palestina até os dias de hoje. Desde 1921, quando eclodiu o primeiro episódio de confronto entre árabes palestinos e judeus sionistas na Canaã do mandato britânico, o “assunto” nunca foi superado ou resolvido — e o cenário de tensão se estendeu. O ponto alto aconteceu em 1948 com a execução de um plano de limpeza étnica, o massacre da resistência palestina e a autodeclaração do Estado de Israel.


A Guerra de Junho de 1967, ponto chave para este texto introdutório, foi uma nova infecção na ferida não curada de 1921 e 1948. A declaração do Estado de Israel, acompanhada do massacre da população árabe-palestina, não foi bem vista pelos seus vizinhos. E no mundo da Guerra Fria, a resposta foi dada em uma cara [e clássica] corrida armamentista entre todos os lados.


Em 1964 foi realizada a segunda conferência da Liga Árabe, que contou com a participação dos principais países árabes da região do “médio oriente” e norte da África. A principal discussão foi a necessidade de se resolver conflitos internos (isto é, entre árabes), adotar medidas que aproximassem os países e o desenvolvimento regional, e o fortalecimento da necessidade da luta anti imperialista, sobretudo o combate das políticas agressivas de Israel contra palestinos. Nesta mesma reunião, foi aprovada a declaração que pontuava: era preciso destruir o Estado de Israel. 


A atmosfera de tensão se desenrolou com apoio de oficiais soviéticos que atuavam na região e passaram a alertar o Egito de Nasser sobre um possível ataque israelense contra a Síria, aliada egípcia. É verdade que a região das Colinas do Golã, que pertencia à Síria, estava ameaçada por “mini conflitos” sobre construções para a captação de água potável, mas um ataque israelense parecia exagerado naquele momento. De qualquer forma, o Egito comprou o rumor e moveu tropas sobre seu território desértico do Sinai em apoio à Síria. Israel respondeu com demonstrações aéreas sobre Damasco, apontando sua superioridade militar (de um Estado que tinha apenas 20 anos de idade). 


A pressão aumentou e a União Soviética não mobilizou grandes esforços diplomáticos para evitar uma guerra. Na manhã do dia 5 de junho de 1967, Israel sentiu-se livre para bombardear, de maneira “preventiva”, bases aéreas egípcias no Estreito do Tiran. A Jordânia do Rei Hussein não ficou de fora, atirou contra aviões israelenses, que responderam com ainda mais força. A guerra durou menos de uma semana, a superioridade israelense foi suficiente para destruir três inimigos em seis dias - uma humilhação para os árabes e uma decepção para os palestinos que acreditaram ter ajuda e solidariedade dos três países vizinhos. 


O saldo positivo foi dado à Israel, que ocupou militarmente a Cisjordânia (um pedaço de terra que, na partilha, era de posse palestina e administração jordaniana), as Colinas de Golã (rica em água, antes posse da Síria), a Península do Sinai (parte egípcia, estratégica para acesso ao Canal de Suez) e, consequentemente, a pequena e relativamente fértil Faixa de Gaza. Destaque para a Cisjordânia e Gaza: regiões de grande concentração palestina sobrevivente da limpeza étnica (ou Nakba) de 1948. 


A antropóloga Rosemary Sayigh observa que a guerra teve o efeito de decepção para aqueles palestinos que acreditavam na força de uma união árabe contra Israel. Além disso, no campo político, demonstrou uma fraqueza política dos regimes árabes considerados “progressistas” naquele momento, especialmente no caso do Egito do popular líder Gamal Abdel Nasser.


A análise de Sayigh vai além ao expor a mudança de atitude dos principais regimes árabes da região perante o movimento de resistência palestina. Em um primeiro momento, na importância de se alinhar a opinião pública, os “fedayeen” palestinos eram chamados de anjos e salvadores, já depois da metade da década de 60, o posicionamento mudou com o “perigo” do movimento guerrilheiro. 


O avanço da ocupação israelense após 1967 acabou por incendiar uma parte do movimento de resistência que cresceu como filhos da Nakba. A (re)organização de partes dos grupos políticos desse momento tem como distintivo a reivindicação de correntes da esquerda mundial do século XX. Isto é, se antes não havia uma bandeira pontualmente de esquerda entre as organizações marxistas, (e, de certa forma, o Partido Comunista da Palestina sofreu com isso na tentativa de se arabizar) agora, bandeiras que reivindicavam Marx, Lênin e Mao Tsé-Tung seriam mais comuns. 


Sayigh considera que os movimentos revolucionários dos anos 70 sofreram forte influência de outros dois principais: o movimento nacionalista árabe durante os anos 50 e 60 e o Fatah, partido político que reorganizou a resistência palestina pós 1948. Esses dois movimentos, segundo a autora, conseguiram mobilizar as massas palestinas, cristalizando um senso geral de “identidade de luta” entre palestinos e árabes da região do Levante. 


Vale dizer que os anos 50 e 60 representaram a possibilidade da revolução: com a União Soviética estabelecida, o mundo dividido na Guerra Fria, o sucesso da revolução cubana, o esforço vencedor da revolução argelina, o avanço de guerrilhas pela África, a vitória de Ho Chi Minh, a China comunista em crescimento, os ecos revolucionários por toda América Latina (fortemente reprimidos com a implantação de ditaduras financiadas pelos Estados Unidos), a “estética guevarista”, etc. Dentro deste contexto da esquerda mundial e, considerando o fervo político no calor dos acontecimentos de 1967, formou-se a FPLP - Frente Popular pela Libertação da Palestina. 


Formada no bojo do socialista Movimento Nacionalista Árabe e com o gosto amargo da decepção com Nasser e o nacionalismo árabe no Egito, o médico George Habash fundou a Frente com outros colegas como Wadie Haddad. As principais bandeiras levantadas, logo na fundação, eram: nacionalismo árabe, anti imperialismo e marxismo-leninismo. 


Habash via Israel como um projeto neocolonialista do ocidente imperialista, destacando o sionismo como o real vilão a ser destruído, além da condenação do reacionarismo árabe representado pela estrutura feudal e capitalista. O documento assume: 

1. Nosso inimigo na batalha é Israel, o sionismo, o imperialismo mundial e o reacionarismo árabe; 

2. Este inimigo possui superioridade tecnológica e superioridade definida na produção que naturalmente desenvolve-se em superioridade militar e grande poder de combate;

3. Além de tudo isso, o inimigo tem uma longa experiência em enfrentar o movimento de massas em direção à libertação econômica e política, e tem o poder de derrotar tal movimento, a menos que as massas possuam alto grau de consciência política que lhes permite neutralizar todos os métodos usados pelos neocolonialistas na tentativa de derrotar os movimentos revolucionários;

4. A natureza da batalha em relação à principal base militar deste inimigo representada por Israel é uma luta de vida ou morte que a liderança política e militar dentro de Israel se esforçará para travar até o último suspiro. (PFLP, 1969, p. 9).


A organização ainda assume a importância da teoria aliada à prática: 

1. A importância da teoria revolucionária e do pensamento político revolucionário, que é capaz de mobilizar todas as forças revolucionárias para enfrentar o inimigo, permanece firme nesse confronto e neutraliza todas as medidas inimigas para frustrar e minar a ação revolucionária;

2. A poderosa organização política é a vanguarda das forças da revolução na luta armada, com uma determinação de vitória mais forte do que a determinação do inimigo de defender sua existência e seus interesses até o último suspiro;

3. A natureza e o tamanho das alianças revolucionárias que devem ser recrutadas para enfrentar todo o campo inimigo;

4. O curso da luta armada assumindo a forma de guerra de guerrilhas no início e desenvolvendo-se na direção da prolongada guerra de libertação popular que garantirá o triunfo final sobre a superioridade tecnológica e militar do inimigo. (PFLP, 1969, p. 9)


O chamado inicial era por uma guerra do povo com base nas massas organizadas - tratava-se de, antes de tudo, uma luta de classes. Além disso, a FPLP recusava apoio de qualquer tipo dos regimes árabes vizinhos sob a justificativa de que representavam o reacionarismo árabe. 


A defesa da luta armada foi contundente desde sua fundação. Bröning expõe que dentro de um ano (após sua formação), com ajuda financeira do Iraque, a organização chegou a armar e treinar mais de mil guerrilheiros, expandindo sua força. A expansão foi tão significativa que dentro de 3 anos, a organização já era a segunda maior dentro da OLP, só não superando o Fatah. 


Durante os anos 70 a organização atingiu seu auge no quesito divulgação com “atividades de guerrilha mais ousadas” com inspiração na “ideologia revolucionária latino americana” como ataques terroristas, sequestro de aviões e confrontos diretos com o exército israelense. 


O evento mais marcante ocorreu entre os dias 6 e 9 de setembro de 1970, quando o mundo testemunhou cinco sequestros de aviões sob o comando de um mesmo grupo. Três deles foram levados para Dawson’s Field, uma pista de pouso localizada no cenário desértico de Zarqa, uma das principais cidades da Jordânia. Os outros dois voos falharam no objetivo de chegar na mesma pista, que ganhou o nome de “aeroporto revolucionário”. 


As ações contaram com imprevistos que, paradoxalmente, já eram esperados. Três aviões chegaram no aeroporto revolucionário que somava mais de 300 reféns de nacionalidades europeias, estadunidenses e israelenses, chamando atenção da imprensa internacional. Na coletiva de imprensa da FPLP, jovens militantes estavam dispostos ao redor de uma mesa, em um espaço pequeno, com uma parede ao fundo exibindo pôsteres de propaganda comunista no estilo artístico soviético, além de imagens de Che Guevara e Lênin. Um dos militantes falava inglês com sotaque carregado: Ghassan Kanafani discursou em tom confiante afirmando que os reféns judeus e/ou israelenses e britânicos seriam tratados da mesma maneira que os “prisioneiros de guerra” (companheiros de organização) sob custódia de Israel e Inglaterra. A Cruz Vermelha perdeu sua força mediadora, o grupo pediu contato direto com o governo britânico, e, respondendo às perguntas dos jornalistas, os militantes assumiram responsabilidade com os reféns e afirmaram que não haveria violência desnecessária, desde que não sofressem qualquer intervenção dita como “estúpida”. O que, de fato, foi cumprido. 


Meses depois, em uma entrevista realizada no Líbano, o jornalista australiano Richard Carleton perguntou se Ghassan Kanafani se arrependia das ações dos sequestros e ele responde que não, alegando que a ação fazia sentido no contexto em que ela aconteceu, e que o grupo tinha orgulho considerando como uma das ações mais corretas. Amplamente divulgada até os dias de hoje nos arquivos da esquerda, a entrevista ilustra o tom dos militantes da FPLP na época: Kanafani reforçou que não se tratava de uma guerra civil ou um mero “conflito”, as ações da organização visavam a libertação de um povo e de sua terra definida como uma “Pequena e corajosa nação que, até a última gota de sangue, vai lutar para fazer justiça a nós mesmos depois que o mundo falhou em nos dar isso”. 


O episódio de setembro de 1970 atraiu muita atenção mundial e instigou a ira dos inimigos da organização de Kanafani. O tom taciturno que a Jordânia assumiu até então com as atividades guerrilheiras das organizações da esquerda palestina em seu território mudou a partir dos sequestros de setembro. Seja por pressão diplomática ou pela atenção internacional que o caso alcançou, uma lei marcial foi implantada pelo rei Hussein, que assumiu um posicionamento rígido mudando o curso da OLP, do Fatah, da FPLP e de todos os outros movimentos palestinos.  Segundo Pappé, os serviços de inteligência do rei alertavam - “com exagero” - que havia a possibilidade da OLP tomar a Jordânia porque guerrilheiros palestinos “desfilavam” com seus fuzis por Amã, o que fez com que a atitude tomada fosse a perseguição, o desarmamento e a prisão de figuras palestinas que transitavam entre a Cisjordânia e o território jordaniano. Segundo Pappé:

O episódio quase se transformou em uma guerra regional quando brigadas sírias invadiram o norte da Jordânia em solidariedade aos palestinos, mas foram dissuadidas por um ultimato israelense, o que salvou o rei Hussein. A pessoa que parou o banho de sangue foi Nasser. Ele obteve um cessar-fogo e, pouco antes de morrer, firmou o acordo que transferiu a OLP para o Líbano. (PAPPÉ, 2006, p. 193). 

A mudança da Jordânia para o Líbano enfraqueceu significativamente as operações guerrilheiras e, consequentemente, a FPLP e a OLP em relação a sua força de atuação com a comunidade palestina que vivia na Cisjordânia e em Gaza. Posteriormente, nos anos 80, Israel invade o sul do Líbano sob o pretexto de caçada aos líderes do Fatah, FPLP, FDLP e, novamente, lideranças políticas foram estrategicamente assassinadas, minando, mais uma vez, o movimento de resistência palestina. 


No trecho “Popular uprising, guerrilla warfare and terrorism (1968-1972)” do livro de Ilan Pappé, o autor destaca alguns pontos sobre este momento chave para a FPLP (e também para sua inspiração, o Fatah). O historiador também expõe que o foco do movimento de resistência era a recuperação dos territórios ocupados em 1967 e a recuperação de Gaza, a estratégia inicial para isto seria a guerrilha com palestinos de dentro dos territórios ocupados, procurando, inclusive, formar uma base popular rural inspirada no maoísmo. Em pouco tempo, os principais líderes (Arafat, Habash, Hawatmeh) perceberam que o modelo maoísta não caberia na população porque esta não estava pronta para dar base sólida a um conflito armado. 


Mesmo assim, em um levantamento realizado por Pappé, o número de ataques de 1967 a 1970 aumentou de 100 investidas contra bases militares israelenses para 2000 nos respectivos anos. Os ataques começaram com o Fatah, principal inspirador, sobretudo no episódio de Karameh, citado anteriormente, que acabou por atrair jovens do campo para a luta armada. Nesse final da década de 60 e até meados da década de 70, a impressão que se dá é que a Jordânia poderia ser um Vietnã do Norte para os vietcongues palestinos. Isto é, “uma plataforma de lançamento estrangeira para ataques de guerrilha, executadas com bastante sucesso”. Desta forma, é até possível entender o receio do Rei Hussein que tinha interesse em manter proximidade com o ocidente, que, naquele momento, estava totalmente alinhado aos EUA no contexto da Guerra Fria. 


A defesa da luta armada para as organizações da esquerda palestina - o que inclui a FPLP - não se tratava de uma questão “estética” como acabou se popularizando pelas imagens de Che Guevara. Sayigh destaca uma fala de Abu ‘Iyad, uma das principais figuras da OLP: 

Sempre acreditamos e declaramos que a luta armada não é um fim em si mesma. É um meio para um grande objetivo humanitário. Desde 1917, a Palestina está sujeita a guerras, revoluções e combates sangrentos. Chegou a hora desta terra e seu povo viverem em paz como os outros seres humanos. Nós portamos armas para conseguir uma solução verdadeiramente pacífica do problema, e não uma falsa solução baseada na imposição da agressão e do racismo. Tal paz não pode ser alcançada exceto dentro da estrutura de um estado democrático na Palestina. (‘IYAD, apud, SAYIGH, 2008, p. 148). 

O método da guerra de guerrilha é justificado a partir da disparidade de ferramentas técnicas por conta da disparidade econômica dos lados. 

[...] é sabido que a guerra de guerrilha se beneficia do dilema que o inimigo enfrenta: 1) quer ocupar toda a área com uma rede quadrangular, dispersando as suas forças e destruindo todos os grupos guerrilheiros que penetram nesta área, enfraquecendo-se de forma a permitir que as forças guerrilheiras ataquem qualquer uma das suas unidades dispersas; 2) ou adotar outra solução, que seria concentrar-se para responder aos golpes do exército revolucionário, deixando assim algumas áreas vagas. Isso, no entanto, dá aos guerrilheiros a oportunidade de ocupar e dominar essas áreas e assim assediar o inimigo e atacar pela retaguarda. (POPULAR FRONT FOR THE LIBERATION OF PALESTINE, 1970, p. 15). 

No mesmo informe, estruturado em formato de entrevista, o representante da FPLP expõe o porquê da defesa da bandeira marxista-leninista: 

[...] a Frente Popular segue esse rumo definitivo com base na avaliação sócio-política. A Frente Popular considera a classe proletária - trabalhadores, camponeses, o povo palestino nos campos de refugiados e os pobres - como a substância da revolução, seu instrumento, seu combustível e seu objetivo. Cabe-nos, portanto, adotar aquela teoria que faz seus os interesses dessa classe na revolução. Da mesma forma, a unidade de classe e a coalescência da liderança com as bases, das quais falamos na seção anterior, como duas pré-condições básicas para uma guerra de longo prazo e para sua continuação, só podem ser alcançadas depois de alcançado um alto grau de liberdade de consciência de classe e compreensão da teoria de classe que defende a revolução - ou seja, o marxismo-leninismo. [...] Em suma, queremos manter acesa a centelha da revolução apesar de todas as dificuldades e contratempos, se não queremos que a nossa revolução seja simplesmente uma explosão espontânea sem alcance de visão, e se queremos estar preparados para uma guerra revolucionária de longa duração que se baseia na guerra psicológica, então o guerrilheiro deve abraçar a teoria. Assim, tendo em vista que a classe do proletariado é a substância de nossa revolução, então nossa teoria é inevitavelmente a teoria do proletariado: o marxismo-leninismo. (POPULAR FRONT FOR THE LIBERATION OF PALESTINE, 1970, p. 49). 

A fala do autor diz sobre “guerra psicológica”. Para o representante, a questão da guerra de guerrilha é atingir (também) a suposta “paz” dada para os colonizadores israelenses. Ou seja, a guerra de guerrilhas tem como objetivo atacar o “psicológico do Estado”. É possível entender isto a partir dos trechos a seguir:

[...] a verdade é que o inimigo não segue os métodos da guerra de guerrilha, mas segue a tática de unidades especiais, que se assemelha à atividade de guerrilha. A diferença entre essas táticas e os métodos de guerra de guerrilha é como a diferença entre uma guerra justa e uma guerra injusta - a diferença é que a atividade de guerrilha está ligada às massas, enquanto as operações de repressão são dirigidas contra as massas. O fator distintivo é psicológico e moral, e não especificamente técnico. Assim como a diferença entre a atividade militar que ameaça e a que liberta, embora ambas sejam, de fato, operações repressivas, suas raízes fundamentais diferem. Emboscando, atacando posições avançadas, patrulhando, assaltando postos isolados com tropas aeroespaciais, sequestrando pessoas, etc., todas essas operações são as mesmas do ponto de vista tático. Mas ou os guerrilheiros utilizam tais táticas enquanto contam com as massas na execução de uma estratégia de libertação, ou exércitos repressivos ou forças especiais preparadas para lutar contra os guerrilheiros que as usam. [...] no nível psicológico, os militares israelenses sempre visam assegurar ao cidadão israelense que são capazes de protegê-lo, sua vida, sua sobrevivência e seu avanço econômico através da repressão de qualquer inimigo. [...] O movimento de resistência, através de seus golpes em alvos econômicos e civis dentro dos territórios ocupados nas guerras de 1948 e 1967, conseguiu tornar absolutamente inexistente aquela tranquilidade e segurança. (POPULAR FRONT FOR THE LIBERATION OF PALESTINE, 1970, p. 10-22). 

Com uma breve exposição da história e do contexto de formação da Frente Popular Pela Libertação da Palestina, a Revista Clio Operária se dedicará na tradução do mais longo informe da FPLP: “Resistência até a Vitória”, texto que apresenta grande parte do pensamento da organização da década de 60 à 90. Serão 19 pontos traduzidos, publicados em partes. Nesta primeira publicação serão apresentados os textos de introdução, “Importância do pensamento político” e “Quem são nossos inimigos?”. 


Boa leitura, camarada


Introdução


A Frente Popular para a Libertação da Palestina, apesar do pouco tempo decorrido desde sua fundação (sua idade política mal chega a um ano e meio) passou a constituir, do ponto de vista objetivo, uma manifestação político-militar que atrai o interesse de amplos círculos do povo palestino, ao mesmo tempo em que diariamente desperta crescente atenção nos níveis árabe e mundial.


Essa manifestação, na medida em que carrega os fatores de crescimento revolucionário pelos quais busca alcançar o nível de uma revolução histórica, também enfrenta uma combinação de perigos reais, tanto subjetivos quanto objetivos, que ameaçam sua existência e tentam impedir seu crescimento e progresso. 


À luz dessa avaliação geral da existência da Frente, que exige vigilância, um profundo senso de responsabilidade histórica e uma compreensão consciente da importância da precisão científica ao observar a luta e enfrentar os problemas operacionais, a Frente Popular para a Libertação da Palestina realizou seu [Primeiro] Congresso em fevereiro de 1969. Durante o evento, foram estudadas a estratégia da ação revolucionária palestina e definidas as etapas políticas, organizacionais e militares gerais que deveriam ser tomadas para garantir o crescimento consistente da Frente, a fim de capacitá-la para o desafio de libertação que assumiu. 



  1. Importância do pensamento político


Uma das condições básicas para o sucesso é uma perspectiva clara das coisas: uma visão nítida do inimigo e uma compreensão clara das forças revolucionárias. É à luz dessa perspectiva que a estratégia da luta é determinada, e, sem ela, a (re])ação nacional se torna uma aposta impulsiva que logo termina em fracasso. Assim, após décadas de luta e sacrifício, tornou-se imperativo para o povo palestino garantir que sua luta armada, desta vez, possua as condições necessárias para o êxito.


Uma das condições básicas para o sucesso é o olhar atento em relação aos inimigos e uma compreensão nítida das forças revolucionárias. A partir disso, é possível determinar uma perspectiva estratégica da luta, evitando apostas impulsivas que acabam em fracasso para a mobilização nacional. Assim, após décadas de luta e sacrifício, tornou-se essencial para o povo palestino garantir que, desta vez, sua luta armada reúna as condições necessárias para o sucesso. 


Nosso povo travou uma longa batalha contra os planos sionistas e colonialistas. Desde 1917, na Declaração Balfour, as massas do povo palestino têm lutado para manter sua terra, conquistar a liberdade, libertar seu país do colonialismo, afirmar seu direito à autodeterminação e explorar os recursos de sua terra em benefício próprio. Sua luta contra o sionismo e o colonialismo assumiu diversas formas e métodos. 


Em 1936, nosso povo pegou em armas para defender suas terras, casas, liberdade e o direito de construir seu futuro, resultando em milhares de mártires e carregando todos os tipos de sacrifícios. Durante este período histórico, a luta armada do nosso povo criou um estado de consciência geral que não é inferior ao estado atual, em que nossas massas se reúnem em torno das ações dos combatentes. 


No entanto, apesar de todos os esforços, sacrifícios, mártires (cujo número, entre 1936 e 1939 excedeu o de mártires de hoje), do uso de armas e do entusiasmo geral, nosso povo, até o presente momento, ainda não triunfou. E, na verdade, a maioria dele vive em condições miseráveis nos campos de refugiados ou sob o jugo da ocupação sionista. 


Logo, pode-se dizer que para garantir o sucesso da luta, não é suficiente apenas pegar em armas -- algumas revoluções armadas na história terminaram em vitória, mas outras fracassaram. É fundamental enfrentarmos os fatos de maneira franca, corajosa e revolucionariamente científica. A partir desta perspectiva nítida do cenário e das forças reais de luta é que se chega ao sucesso, enquanto impetuosidade e espontaneidade levam ao fracasso. 


Isso demonstra claramente a importância do pensamento político científico, que orienta a revolução e planeja sua estratégia. O pensamento político revolucionário não é uma ideia abstrata suspensa no vazio, um luxo mental, um passatempo intelectual para os mais instruídos ou algo que pode ser descartado “requinte desnecessário”. O pensamento político revolucionário, de teor científico, é uma forma de pensar clara que permite às massas compreenderem seu inimigo, seus pontos fracos, fortes, bem como as forças que o apoiam e se aliam a ele. 


Da mesma forma, as massas devem entender suas próprias forças, as forças da revolução: como mobilizá-las, como superar os pontos fortes do inimigo, como explorar as fraquezas do inimigo, e, como, através de qual forma de organização, mobilização e programas político-militares, podem fortalecer suas potências até que sejam capazes de derrotar o inimigo e alcançar a vitória. 


É esse pensamento político revolucionário que explica às massas do nosso povo as razões de seus fracassos no confronto com o inimigo: por que a revolta armada de 1936 e suas tentativas anteriores falharam; o que levou à derrota de 1967; a verdade sobre a aliança hostil contra a qual estão lutando; com qual aliança e método podem enfrentá-la. Tudo isso deve ser apresentado em uma linguagem clara que as massas possam compreender. E, assim, é possível criar uma visão geral e nítida de qual é a batalha, suas dimensões, forças e armas, de modo que o pensamento emerge como uma força unida à perspectiva de uma batalha e estratégia em comum. 


Para nós, o pensamento político representa uma visão clara da batalha que temos pela frente, e é por isso que enfatizamos tanto a importância e a seriedade desse aspecto. Mas o que significa lutar sem pensamento político? Significa travar uma luta sem planejamento, cometer erros sem compreender sua gravidade ou saber como corrigi-los, e improvisar posições políticas sem uma visão clara que as sustente. Além disso, posições políticas “improvisadas” geralmente têm múltiplas abordagens, resultando em dispersão de forças. Isso faz com que as potências revolucionárias do nosso povo se fragmentem em diferentes caminhos, em vez de se unirem em um único percurso, como uma força sólida e coesa.


Também queremos alertar sobre o perigo de tratar esse assunto com descaso. Entre nossos combatentes e em nossas bases, há uma tendência que confunde o pensamento político revolucionário com a "depravação política" representada por certas “forças políticas” e “líderes políticos”. Essa tendência deturpa o pensamento político revolucionário com os métodos políticos ultrapassados ​​usados ​​pelo movimento nacional palestino antes da estratégia de luta armada e o confunde com uma suposta sofisticação de certos intelectuais. 


Assim, essa postura tende a desprezar ou minimizar a importância do pensamento político, o que torna necessária uma operação de correção radical. É o pensamento político revolucionário que expõe a “depravação política”, fortalece nossa convicção na luta armada e desmascara, perante o público, a sofisticação estúpida que complica os problemas da revolução em vez de servir à sua causa.


Para desempenhar esse papel revolucionário, o pensamento político deve (1) ser científico, (2) ser tão claro que possa ser compreendido pelas massas e (3) ir além de generalidades, penetrando o mais profundamente possível na estratégia e nas táticas da batalha, para orientar os combatentes no enfrentamento de seus problemas. Quando o pensamento revolucionário atende a esses requisitos, ele se torna a arma mais eficaz nas mãos das massas, permitindo-lhes consolidar suas forças e ter uma visão perfeitamente clara da batalha, compreendendo todas as forças em ação e a posição de cada uma delas, desde o início da revolução até o seu desfecho definitivo.



  1. Quem são nossos inimigos? 


Em seu artigo “Análise das Classes da Sociedade Chinesa” (março de 1926), Mao Tse-Tung escreve:


“Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Esse problema é de importância primordial para a revolução. A razão básica por que as anteriores lutas revolucionárias na China obtiveram tão fracos resultados está no facto de não se ter sabido fazer a união com os verdadeiros amigos para atacar os verdadeiros inimigos. O partido revolucionário é o guia das massas, não podendo, portanto, a revolução alcançar a vitória se este as conduz por uma via errada. Para não dirigirmos às massas pela via falsa, para estarmos seguros de alcançar definitivamente a vitória na revolução, devemos prestar atenção à unidade com os nossos verdadeiros amigos para atacar os nossos verdadeiros inimigos. Para distinguir os verdadeiros amigos dos verdadeiros inimigos, impõe-se proceder a uma análise geral da situação econômica das distintas classes da sociedade chinesa, bem como da atitude que estas tomam frente à revolução.”


Quem, então, são nossos inimigos?


O pensamento político por trás de qualquer revolução começa impondo esta questão e respondendo-a. As massas do povo palestino ainda não responderam esta questão de maneira clara e conclusiva. E sem uma definição clara do inimigo, uma visão clara da batalha se demonstra impossível. 


A avaliação do adversário por nossas massas tem sido, até agora, um processo emocional. Quando conquistamos algumas vitórias parciais, prevalece entre as massas uma atmosfera geral que subestima o poder do inimigo, imaginando a batalha como algo rápido e fácil, em que podemos triunfar em pouco tempo. Por outro lado, quando o inimigo nos inflige golpes severos, vamos ao extremo oposto e passamos a imaginá-lo como uma força invencível.


É evidente que, com essas oscilações “emocionais”, é impossível termos uma visão científica da batalha ou planejar de forma inteligente e perseverante para vencê-la.


Chegou o momento de nossas massas compreenderem a verdadeira natureza do inimigo, pois é através desse entendimento que a visão da batalha se torna clara para elas.


Primeiro: Israel 


Em nossa batalha pela libertação, enfrentamos, em primeiro lugar, Israel como uma entidade política, militar e econômica que busca mobilizar ao máximo seus dois milhões e meio de cidadãos para defender sua estrutura racial agressiva e expansionista, além de impedir que recuperemos nossa terra, nossa liberdade e nossos direitos.


Esse inimigo possui uma superioridade tecnológica evidente, refletida no padrão de seu armamento, treinamento e no dinamismo de suas operações. Além disso, desfruta de uma grande capacidade de mobilização, resultante de sua percepção de que está travando uma batalha de vida ou morte e, consequentemente, sente que não tem outra opção a não ser se defender até seu último suspiro.


Essa capacidade de mobilização e essa superioridade tecnológica devem estar sempre em nossas mentes ao longo do nosso confronto com o inimigo. Não é por acaso que, até agora, perdemos todas as nossas batalhas contra esse inimigo, e seria um grande erro oferecer explicações parciais ou superficiais para nossas derrotas. Compreender a verdadeira natureza do inimigo é o primeiro passo para o planejamento estratégico da vitória.


Mas será que Israel é o único inimigo que enfrentamos nessa batalha? Seria um erro grave limitar nossa visão do inimigo apenas a Israel, pois, nesse caso, seríamos como alguém que imagina estar em conflito com um homem, apenas para descobrir que está diante de dez, para os quais não está preparado.


Segundo: Movimento sionista mundial


Israel é, na realidade, um desdobramento e uma parte integrante do movimento sionista mundial. Assim, em nossa batalha contra Israel, não enfrentamos apenas o Estado de Israel, mas uma Israel cuja estrutura está fundamentada na força do movimento sionista. O sionismo, como movimento racial e religioso, busca organizar e recrutar 14 milhões de judeus em todas as partes do mundo para apoiar Israel, proteger sua existência agressiva e consolidar e expandir essa existência.


Esse apoio não se limita a um respaldo moral; trata-se, essencialmente, de um apoio material que fornece a Israel mais pessoas, mais dinheiro, mais armas, mais conhecimento técnico e mais alianças firmadas pelo movimento em virtude de sua influência. Além disso, inclui o apoio através de publicidade e propaganda em todas as partes do mundo.


Portanto, quando afirmamos que nosso inimigo é “Israel + movimento sionista”, não estamos adicionando apenas uma sequência de palavras, mas sim reconhecendo uma força material de certa magnitude, que deve ser levada em consideração em nossos cálculos para a batalha.


Neste texto, nos limitamos a essa visão geral de Israel e do movimento sionista mundial, mas devemos nos referir à necessidade de fazer um estudo preciso e detalhado de Israel e do movimento sionista mundial. Tal estudo confirmaria um olhar geral mais palpável, permitindo-nos, assim, livrar-nos de qualquer imaginação superficial sobre nosso inimigo.


Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente no estudo de Israel e o movimento sionista mundial. Esses estudos nos apresentam os fatos sobre estes, abrangendo aspectos políticos, militares, econômicos e sociais de sua realidade. Espera-se que nossos quadros políticos e militares leiam esses estudos, independentemente da orientação política que influencie o pensamento dos autores, pois, a partir de dados, fatos específicos e informações detalhadas, podemos formar uma visão verdadeira e concreta do inimigo contra o qual estamos lutando.


É preciso ressaltar que o inimigo que enfrentamos é naturalmente governado por uma série de conflitos tanto dentro de Israel (como em qualquer outra sociedade) quanto entre Israel e o movimento sionista mundial. Esses conflitos devem ser para nós um assunto de estudo e pesquisa constantes. O crescimento do movimento de resistência aumentará, sem dúvida, a acuidade desses conflitos para que possamos canalizá-los para servir ao interesse da luta de libertação. No que diz respeito à batalha que se aproxima, essas contradições não atingiram um grau que dificulte a concentração e consolidação completas que ocorrem dentro de Israel e do movimento sionista mundial. Para nós, a imagem do inimigo deve permanecer a de um campo que está sendo fortemente e eficientemente concentrado e consolidado com habilidade técnica e organização precisa com o objetivo de mobilizar os habitantes de Israel e os judeus do mundo para irem contra nós na luta de libertação.


Mas nossa perspectiva do inimigo deve parar aqui? É essa a imagem de “todo o inimigo” que estamos enfrentando? Estaríamos cometendo um grande erro se não fizéssemos cálculos científicos e parássemos por aqui. Na batalha pela libertação da Palestina, estamos enfrentando uma terceira força, a do imperialismo mundial liderado pelos Estados Unidos da América.


Terceiro: Imperialismo


O imperialismo mundial defende e preserva ferozmente seus interesses. Esses interesses consistem em roubar as riquezas dos países subdesenvolvidos, comprando-as a preços baixos e, em seguida, processando essas riquezas e revendendo-as a preços altos nos mercados desses mesmos países. Através dessa operação, acumulam imensos lucros, permitindo-lhes aumentar seu capital à custa da pobreza, privação e miséria das pessoas.


O mundo árabe possui muitos recursos, principalmente petróleo, e constitui um grande mercado consumidor de bens manufaturados. O imperialismo deseja manter essa situação para permitir que o processo de acumulação da riqueza imperialista continue, por um lado, e que nossa pobreza aumente, por outro. Para isso, está genuinamente determinado a esmagar qualquer movimento revolucionário que vise libertar nosso país e nosso povo dessa exploração.


O movimento revolucionário das massas no mundo árabe visa, naturalmente, destruir Israel, pois Israel é uma força que usurpou uma parte desse mundo e representa um grande perigo que ameaça outras partes. Consequentemente, Israel não pode deixar de lutar até o fim contra qualquer movimento revolucionário palestino ou árabe. Aqui, o imperialismo encontra-se na melhor posição nesta parte do mundo, pois, por meio de Israel, consegue combater o movimento revolucionário árabe, que busca eliminá-lo de nossa terra, com Israel se tornando a força e a base usadas pelo imperialismo para proteger sua presença e defender seus interesses em nosso território. Essa situação cria uma unidade orgânica entre Israel e o movimento sionista, por um lado, e o imperialismo mundial, por outro, pois ambos estão interessados em combater o movimento de libertação nacional palestino e árabe. Assim, a proteção, o reforço e o apoio de Israel e a manutenção de sua existência são questões fundamentais para os interesses do imperialismo mundial. Isso nos dá uma imagem coerente do inimigo que claramente abrange: Israel, o movimento sionista mundial e o imperialismo. 


Aqui também queremos enfatizar que adicionar o imperialismo à nossa imagem do campo inimigo não deve ser considerada como uma adição de meras palavras à nossa definição do inimigo, pois entra na imagem concreta que temos do inimigo contra quem estamos travando esta luta. Imperialismo aqui também significa mais armas, mais apoio e mais dinheiro para Israel. Significa jatos Phantom, segredos de bombas atômicas e a construção de uma economia capaz de enfrentar o bloqueio permanente e o estado de guerra que tentamos impor.


Aqui, milhões e milhões de marcos (moeda) da Alemanha Ocidental e dólares americanos são convertidos em uma força concreta que aumenta a força israelense e, portanto, deve ser levada em consideração em nossos cálculos para a batalha.


Nosso inimigo então não é Israel sozinho. É Israel, o sionismo, o imperialismo. E, sem um conhecimento científico claro de nosso inimigo, não podemos esperar triunfar sobre ele. A opinião que tenta “neutralizar” a questão palestina em nível internacional questiona o porquê de não tentar ganhar os EUA para o nosso lado na batalha, em vez de permitir que ela permaneça ao lado de Israel, mas esta é uma opinião errada e perigosa justamente por não ser científica, por ser irrealista e por estar longe de ser precisa. É perigosa porque camufla a verdade sobre o inimigo que nos enfrenta e leva a cálculos perigosos durante a luta. 


Essas são todas as forças que estamos enfrentando na batalha de libertação da Palestina? Esse é "todo o inimigo" que nos enfrenta? Há uma quarta força que substancialmente está do lado do campo inimigo e que devemos ver e definir claramente.


Quarto: as forças árabes reacionárias, representadas pelo feudalismo e pelo capitalismo


O “capitalismo árabe”, cujos interesses são representados e defendidos por regimes reacionários no mundo árabe, não constitui uma unidade capitalista independente e, portanto, não pode assumir posições políticas autônomas. Na realidade, esse capitalismo representa ramos fracos do capitalismo mundial, que estão interligados e fazem parte integrante deste último.


Os milionários do mundo árabe, incluindo comerciantes, banqueiros, senhores feudais, proprietários de grandes terras, reis, emires e xeques, acumularam suas fortunas graças à sua cooperação com o capitalismo mundial. Eles enriqueceram por serem agentes comerciais de bens produzidos pelo capital estrangeiro, acionistas secundários em bancos estrangeiros ou companhias de seguros, ou por serem líderes de regimes que defendem e protegem os interesses coloniais, reprimindo qualquer movimento popular que vise libertar nossa economia dessa influência exploradora.


Consequentemente, eles não podem manter suas fortunas a menos que nossa terra continue sendo um mercado para bens e investimentos estrangeiros e que os colonialistas continuem a saquear nosso petróleo e outros recursos, pois esse é o único meio que lhes permite adquirir e preservar suas riquezas.


Isso significa que, em uma verdadeira batalha de libertação travada pelas massas para destruir a influência imperialista em nossa terra, a reação árabe não pode deixar de estar do lado de seus próprios interesses, cuja continuidade depende da permanência do imperialismo e, consequentemente, não pode se alinhar com as massas.


Essas forças reacionárias árabes – especialmente as mais espertas – podem, superficialmente, apoiar movimentos nacionais superficiais com o objetivo de usá-los para resolver, em seu próprio benefício, alguns de seus conflitos secundários com Israel ou com o imperialismo mundial. No entanto, no final, elas são inevitavelmente contra qualquer movimento de libertação nacional que vise erradicar o colonialismo de nosso solo e construir uma economia independente que sirva aos interesses das massas, em vez de encher os bolsos da pequena elite que representa essas forças reacionárias.


O crescimento do movimento revolucionário das massas significa, para essas forças, o fortalecimento da autoridade popular, que age para destruir sua própria autoridade. Portanto, independentemente do grau de seus conflitos com Israel e o imperialismo, elas estão sempre conscientes de que seu principal embate é com o movimento das massas, que busca a destruição completa de seus interesses e de seu poder.


A classificação da reação árabe como uma das forças do inimigo é de extrema importância, pois não reconhecer esse fato significa falhar em ter uma visão clara da realidade. Na prática, isso significa ignorar bases e forças reais dentro do campo inimigo que vivem entre nós e que têm a capacidade de desempenhar um papel diversionista, mascarando a verdadeira natureza da batalha diante das massas e, quando surgir a oportunidade, surpreender a revolução com um golpe que pode levar à sua derrota.


Este é, portanto, o campo inimigo que realmente enfrentamos em nossa luta pela libertação da Palestina. Não podemos vencer essa batalha sem uma compreensão clara de todos os elementos que compõem esse campo. Com base na definição desses atores e na percepção dos laços que os unem, torna-se evidente que nosso inimigo mais poderoso, o inimigo real e principal, é o imperialismo mundial; que a reação árabe é apenas uma de suas ramificações; e que o poder de Israel reside no fato de ser uma das bases do imperialismo mundial, que lhe fornece todas as fontes de força e o transforma em uma grande potência militar, dotada de superioridade tecnológica e de uma economia que lhe permite sobreviver, apesar das condições adversas em que se encontra.


Assim, a luta pela libertação da Palestina, como qualquer outra luta de libertação no mundo, torna-se uma luta contra o imperialismo mundial, que busca saquear as riquezas dos países subdesenvolvidos e mantê-los como mercado para seus produtos. Naturalmente, Israel – assim como o movimento sionista – possui suas próprias características, mas estas devem ser analisadas à luz do vínculo orgânico de Israel com o imperialismo.


Após o fim da Primeira Guerra Mundial, as forças feudais e a burguesia palestina tentaram apresentar a luta como se o inimigo fosse apenas o movimento sionista e os judeus na Palestina, partindo do pressuposto de que o colonialismo britânico atuaria como uma força neutra nesse conflito. Somente mais tarde as massas, por meio dos contingentes nacionais que formavam sua vanguarda, perceberam que o verdadeiro inimigo era o colonialismo britânico, que buscava fortalecer e apoiar o movimento sionista em nosso país como uma forma de conter as aspirações das massas progressistas.


Hoje, nosso povo não precisa mais de novas experiências e ações improvisadas. Em nossa luta pela libertação da Palestina, enfrentamos, antes de tudo, o imperialismo mundial; nossa batalha é fundamentalmente dirigida contra ele, contra Israel, que atua como sua base, e contra as forças reacionárias aliadas a ele. Não venceremos essa batalha sem um conhecimento claro de nosso inimigo, garantindo que nossos cálculos estratégicos estejam corretos.


Qualquer deficiência ou falta de clareza na nossa compreensão do campo inimigo — com todas as suas forças, contingentes e alianças — significa também uma deficiência ou falta de clareza na nossa concepção do nível de mobilização revolucionária necessária para enfrentá-lo e alcançar superioridade na luta.


À luz de tudo isso, tornam-se claras as principais características do inimigo que enfrentamos:


  1. Nosso inimigo na batalha é Israel, o sionismo, o imperialismo mundial e a reação árabe;

  2. Esse inimigo possui superioridade tecnológica e uma clara vantagem produtiva, que naturalmente se traduz em superioridade militar e grande capacidade de combate;


  1. O inimigo tem vasta experiência em enfrentar os movimentos de massa voltados à libertação econômica e política, sendo capaz de derrotá-los caso as massas não possuam um alto grau de consciência política que lhes permita neutralizar todas as estratégias dos neocolonialistas para sufocar os movimentos revolucionários;


  1. A natureza do confronto com a principal base militar desse inimigo, representada por Israel, é uma luta de vida ou morte, que sua liderança política e militar buscará sustentar até o último fôlego.


Essa visão clara do campo inimigo coloca a batalha em sua devida perspectiva e elimina qualquer análise superficial do conflito. É essa clareza que determina o momento e o local da luta, assim como sua natureza. Em outras palavras, essa perspectiva define:


  1. A importância da teoria revolucionária e do pensamento político revolucionário, capazes de mobilizar todas as forças da revolução para enfrentar o inimigo, manter-se firmes nesse enfrentamento e neutralizar todas as medidas inimigas para enfraquecer e desarticular a ação revolucionária;


  1. A organização política poderosa, que atua como vanguarda das forças revolucionárias na luta, armada com uma determinação de vencer ainda mais forte do que a determinação do inimigo de defender sua existência e seus interesses até o último suspiro;


  1. A natureza e a amplitude das alianças revolucionárias que devem ser formadas para enfrentar todo o campo inimigo;


  1. O caminho da luta armada, que se inicia na forma de guerra de guerrilha e evolui para uma guerra prolongada de libertação popular, garantindo, assim, a vitória final sobre a superioridade tecnológica e militar do inimigo.


A natureza do inimigo é o que determina a natureza do enfrentamento, e é justamente aqui que reside o perigo de qualquer análise superficial ou não científica do campo inimigo e de suas principais características.


Comments


bottom of page