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A crítica branca no Jazz negro: reflexões sobre Amiri Baraka

Foto do escritor: Márcio PauloMárcio Paulo

Por Márcio Paulo*


Recomendações para a leitura!

Um  som para corajoso, outro para quem tem mais coragem

Paulo Moura - Mistura e manda

ou

Bola Sete - Consolação


Baraka na Convenção Política Nacional Negra. Disponível em: https://outraspalavras.net/blog/a-critica-eletrica-de-amiri-baraka/


Esse texto só existe pois, em 1967, um dos nossos foi corajoso o bastante para fazer uma crítica atemporal. Estudar o Jazz como arte é algo feito desde os tempos mais remotos, já partir da ótica do negro é algo feito por poucos, e Amiri faz isso, nesse texto que trago para reflexão, a crítica é feita para a crítica branca, do qual a sua analise parte do pressuposto que existe mais críticos brancos sobre Jazz do que músicos de Jazz brancos, enquanto os músicos de Jazz em sua maioria são negros e existe poucos criticos negros.


Para Baraka o problema não é apenas brancos estarem criticando músicos negros sem ao menos compreenderem os seus sentimentos quanto as notas tocadas ou escritas, mas também quanto a forma da crítica. No tempo presente que escrevo, não vejo ninguém com a irresponsabilidade de fazer uma crítica a John Coltrane, mas em 1967 era possível nos depararmos com isso. Aqui é possível perceber que poucos desses críticos entendiam realmente o que seria o Jazz e tentavam empurrar para uma caixa que estavam as coisas que faziam sentido na sua própria ótica, ou seja, tentavam diminuir o tempo todo a inventividade do negro enquanto artista. Colocar Pharoah Sanders, John Coltrane, Dizzy Gilepsie na mesma categoria musical sempre foi a forma da crítica branca de limitar a arte negra.


“E é óbvio por que há, digamos, apenas dois ou três críticos ou articulistas negros chancelados se ocupando do jazz, se entendermos que até há pouco tempo aqueles negros que poderiam se tornar críticos, os quais majoritariamente seriam provenientes da classe média negra simplesmente não se interessaram por esse tipo de música. Ou, ao menos pra classe média negra, o jazz só recentemente perdeu um pouco de seus sigma (embora, de alguma forma, ainda seja tão popular entre eles, quanto qualquer produto musical insípido que venha sancionado pelo gosto da maioria branca.”

O Jazz é fundamentalmente uma arte negra, porém foi e ainda é por muitos objeto de usurpação quanto a sua maternidade e paternidade, sempre tentam tirar de nós, o improviso, a música sem necessariamente uma letra ou uma caligrafia musical é taxada de desordenada, sempre tiram dos artistas negros a sua forma de ver o Jazz. Baraka nos mostra que artistas consagrados foram medidos por réguas das quais jamais pediram para estar em qualquer ponto.


A maior demonstração da teoria que desenvolveu em seus textos (Baraka) é que muitas vezes a crítica branca é basicamente feita como se a escrita/criação da música fosse um hobbie ou passatempo de quem o faz, enquanto aquele que a produz faz dela seu sustento e seu suor em formas de notas musicais que nem sempre são compreendidas como o artista colocou seu sentimento ali.


Algumas vezes tentam enquadrar em parâmetros convencionais aquilo que não é convencional. Muito Jazz é produzido fora dos limites americanizados, que tem uma ideia de tom e melodia já estabelecida, e por isso, parafraseando Miles Davis deixo a ideia aqui que “tudo o que se movimenta é Jazz, é tudo aquilo que vai contra uma lógica comercial hostil e faminta também é Jazz”.


Portanto, Baraka nos convida a ir além e buscar as referências fora do nosso lugar comum, ouvir o Jazz feito no Benin é uma experiência totalmente nova para nós, e é recomendável que esteja aberto para esse novo momento do som, que nem sempre segue a determinação do Jazz americanizado, de ter uma banda convencional com estruturas de “big bands” e grandes concertos; o Jazz também é ouvir uma música feita de forma das quais você não conhece ou não tem a bagagem e profundidade para dizer se aquilo é bom ou não.


A ideia de Baraka é que a todo momento estamos sendo analisados enquanto negros, e essas análises podem minar a nossa criatividade, até pequenos floreios musicais ou mudanças em uma escala da qual estavam acostumados é passível de críticas, a grande questão é: até que ponto essas críticas serão parte da nossa construção não só como músicos mas também enquanto pensadores do hoje e do amanhã?


Os músicos negros que Baraka conviveu todos foram vitimas das mais diversas criticas, e ele nos mostra que é possível compreender e analisar a música não só pela música em si, mas também como ela nos conforta ou nos desafia, enquanto negros, toda crítica vinda de brincadeira de passatempo dos brancos não pode nos definir enquanto artistas, ela serve apenas para legitimar um pensamento praticamente automático de uma classe de pessoas.


É importante salientar que existem críticos e músicos de Jazz brancos que merecem respeito e toda a sua fundamentação é válida para o movimento musical, logicamente que sabendo o espaço e o tempo de cada um. O Jazz também é sobre o respeito de ouvir o divergente e de somar quando é a sua vez de fazer o solo.


E para além dessa crítica da crítica, o meu papel como pensador e pesquisador do Jazz é de demonstrar que ele é negro e reivindicar a paternidade ou maternidade dele só cabe a nós, pretos e periféricos do mundo; abaixo deixo algumas sugestões de músicos de Jazz que podem te surpreender ou não, mas vão pelo menos mudar a sua ideia de um Jazz embranquecido e irá colocar a cor certa nessa arte que moldou e moldará para todo o sempre o nosso pensar.


 

*Márcio Paulo é comunicador e pesquisador, membro da Clio Operária e do Ponta de Lança podcast, pesquisador sobre música e cultura no continente africano e sua diáspora.


John Coltrane - Coltrane Live at Birdland - 1964

Itamar Assumpção - Sampa Midnight - Isso não vai ficar assim - 1983

Ella Fitzgerald e Louis Armstrong - Ella and Louis - 1956

Chaka Khan - What Cha' Gonna Do for Me - 1981

Orchestre poly - rythmo de cotonou madjafalao - 2016

Tania Maria - Live-1978


Referências



BARAKA, Amiri, Black Music: free jazz e a consciência negra. Sobifluência, São Paulo, 2023.

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